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Especialistas analisam a decisão do STF que descriminaliza posse da maconha no Brasil

Corte fixou 40 gramas como critério básico para diferenciar usuários de traficantes, mas manteve competência da polícia para avaliar contexto da apreensão. Tese estabelecida pelo Supremo prevê que gramatura valerá até que ponto seja fixado pelo Congresso. Na terça-feira, ministros haviam definido que portar a droga para uso pessoal não é crime

Luiz Dibe

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Divulgação / Supremo Tribunal Federal
Definição do STF sobre quantidade máxima para uso pessoal se deu um dia depois de concluída votação sobre descriminalização.

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) apontando novo entendimento acerca da posse de maconha para uso pessoal no Brasil provoca reações entre autoridades e especialistas. Conforme a tese, formulada no julgamento e que irá orientar procedimentos policiais e judiciários, "não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa".

O principal atributo da decisão é a determinação da quantidade para diferenciar usuários de traficantes, fixada em 40 gramas ou seis plantas fêmeas de maconha. A definição do parâmetro valerá até que o Congresso decida legislar sobre o tema.

Para o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB-RS), Roque Reckziegel, a descriminalização da posse pessoal é um passo na direção correta para tratar a questão das drogas ilícitas como um objeto de saúde pública em combinação com os procedimentos de segurança pública.

— A lei já tratava a consequência do ilícito da posse como um ato não criminal, embora continuasse considerando um crime. Era um contraste. Mesmo assim, com a lei, desde 2006, houve um aumento da população carcerária no país pela, tendo como principal causa as prisões por tráfico de drogas — aponta o advogado.

Reckziegel diz considerar que não é possível prever se a fixação de quantidade trará resultados positivo de análises mais justas. Contudo, ele destaca que a falta de critérios bem definidos, por vezes, incorria em interpretações acerca do perfil socioeconômico e até da cor da pele da pessoa abordada com maconha.

O diretor do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), delegado Carlos Wendt, observa que, na prática, a nova doutrina não interfere na atuação da Polícia Civil para a distinção de usuários e traficantes.

— Não engessa, pois continua permitindo a avaliação de cada caso para a tomada de decisão sobre autuar por tráfico. Porém, entendo que o fato de descriminalizar pode se tornar um estímulo ao consumo por deixar de tratar como algo que traz consequências penais a quem pratica. Receio que poderá haver um aumento da comercialização de drogas e dos malefícios para a sociedade que dela decorrem — analisa o delegado.

Segundo a tese do STF, a autoridade policial e seus agentes não estão impedidos de realizar a prisão em flagrante, mesmo por quantidades inferiores ao limite estabelecido, quando estiverem presentes elementos como  forma de acondicionamento e circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias e a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registro de operações comerciais e aparelho celular com contatos de usuários e traficantes.

Hiperencarceramento

Ao final do julgamento, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, enfatizou que  Corte está "estabelecendo uma forma de lidar com um problema que recai sobre o Supremo, que é o hiperencarceramento de jovens primários e de bons antecedentes pelo porte de pequenas quantidades de drogas". Para o ministro, o objetivo é de "evitar que essa prisão exacerbada forneça mão de obra para o crime organizado nas prisões brasileiras".

Tal percepção integra as expectativas da defensora pública Mariana Muniz, dirigente do Núcleo de Defesa em Execução Penal da Defensoria Pública do Estado. Para a defensora, a tomada de decisão sobre as prisões continue sujeita à subjetividade, a nova doutrina determina critérios mais objetivos que podem colaborar para que ocorram ações policiais mais acertadas e desfechos mais justos para situações envolvendo porte de maconha.

— É um olhar para o calcanhar de Aquiles da política antidrogas no Brasil. É notável que as prisões por trafico atingem mais os jovens vulneráveis, em territórios socioeconomicamente desfavorecidos e sob o marcador do racismo estrutural que constitui o país. Mandar quantidade de pessoas para a cadeia não encerra um problema. Pelo contrário, abre um novo campo de vulnerabilidade e encaminha parte destas pessoas para desfechos mais dramáticos e negativos ainda — define a defensora pública.

O recurso extraordinário ajuizado em 2015 pedia ao Supremo que fosse declarado inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343/2006, a Lei de Drogas, que considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal e prevê penas como prestação de serviços à comunidade.

Já a pena prevista para tráfico de drogas varia de cinco a 20 anos de prisão. A lei, no entanto, não definiu qual quantidade de droga caracterizaria o uso individual, abrindo brechas para que usuários sejam enquadrados como traficantes.

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