A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) apontando novo entendimento acerca da posse de maconha para uso pessoal no Brasil provoca reações entre autoridades e especialistas. Conforme a tese, formulada no julgamento e que irá orientar procedimentos policiais e judiciários, "não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa".
O principal atributo da decisão é a determinação da quantidade para diferenciar usuários de traficantes, fixada em 40 gramas ou seis plantas fêmeas de maconha. A definição do parâmetro valerá até que o Congresso decida legislar sobre o tema.
Para o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB-RS), Roque Reckziegel, a descriminalização da posse pessoal é um passo na direção correta para tratar a questão das drogas ilícitas como um objeto de saúde pública em combinação com os procedimentos de segurança pública.
— A lei já tratava a consequência do ilícito da posse como um ato não criminal, embora continuasse considerando um crime. Era um contraste. Mesmo assim, com a lei, desde 2006, houve um aumento da população carcerária no país pela, tendo como principal causa as prisões por tráfico de drogas — aponta o advogado.
Reckziegel diz considerar que não é possível prever se a fixação de quantidade trará resultados positivo de análises mais justas. Contudo, ele destaca que a falta de critérios bem definidos, por vezes, incorria em interpretações acerca do perfil socioeconômico e até da cor da pele da pessoa abordada com maconha.
O diretor do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), delegado Carlos Wendt, observa que, na prática, a nova doutrina não interfere na atuação da Polícia Civil para a distinção de usuários e traficantes.
— Não engessa, pois continua permitindo a avaliação de cada caso para a tomada de decisão sobre autuar por tráfico. Porém, entendo que o fato de descriminalizar pode se tornar um estímulo ao consumo por deixar de tratar como algo que traz consequências penais a quem pratica. Receio que poderá haver um aumento da comercialização de drogas e dos malefícios para a sociedade que dela decorrem — analisa o delegado.
Segundo a tese do STF, a autoridade policial e seus agentes não estão impedidos de realizar a prisão em flagrante, mesmo por quantidades inferiores ao limite estabelecido, quando estiverem presentes elementos como forma de acondicionamento e circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias e a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registro de operações comerciais e aparelho celular com contatos de usuários e traficantes.
Hiperencarceramento
Ao final do julgamento, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, enfatizou que Corte está "estabelecendo uma forma de lidar com um problema que recai sobre o Supremo, que é o hiperencarceramento de jovens primários e de bons antecedentes pelo porte de pequenas quantidades de drogas". Para o ministro, o objetivo é de "evitar que essa prisão exacerbada forneça mão de obra para o crime organizado nas prisões brasileiras".
Tal percepção integra as expectativas da defensora pública Mariana Muniz, dirigente do Núcleo de Defesa em Execução Penal da Defensoria Pública do Estado. Para a defensora, a tomada de decisão sobre as prisões continue sujeita à subjetividade, a nova doutrina determina critérios mais objetivos que podem colaborar para que ocorram ações policiais mais acertadas e desfechos mais justos para situações envolvendo porte de maconha.
— É um olhar para o calcanhar de Aquiles da política antidrogas no Brasil. É notável que as prisões por trafico atingem mais os jovens vulneráveis, em territórios socioeconomicamente desfavorecidos e sob o marcador do racismo estrutural que constitui o país. Mandar quantidade de pessoas para a cadeia não encerra um problema. Pelo contrário, abre um novo campo de vulnerabilidade e encaminha parte destas pessoas para desfechos mais dramáticos e negativos ainda — define a defensora pública.
O recurso extraordinário ajuizado em 2015 pedia ao Supremo que fosse declarado inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343/2006, a Lei de Drogas, que considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal e prevê penas como prestação de serviços à comunidade.
Já a pena prevista para tráfico de drogas varia de cinco a 20 anos de prisão. A lei, no entanto, não definiu qual quantidade de droga caracterizaria o uso individual, abrindo brechas para que usuários sejam enquadrados como traficantes.