A Comissão de Anistia concedeu nesta terça-feira (2) os primeiros pedidos de reparação coletiva da história do país. O colegiado analisou requerimentos apresentados pelos povos indígenas krenak (do norte de Minas Gerais) e guarani kaiowá (do Mato Grosso do Sul), que acusaram o Estado brasileiro de cometer diversas violações de direitos humanos durante a ditadura militar. A decisão foi aprovada por unanimidade pela comissão, um órgão colegiado do governo federal vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos.
A concessão de reparação coletiva foi possível graças a uma inovação regimental aprovada pela Comissão em março do ano passado. As indenizações por crimes e violações do Estado brasileiro no período ditatorial costumavam ser feitas apenas individualmente. A presidente da Comissão, Enea Stutz de Almeida, afirmou durante a sessão que especialistas destacaram o quão importante seria não individualizar a reparação dos indígenas.
— O que faz sentido para as comunidades é a reparação coletiva — disse.
A reparação coletiva não prevê ressarcimento econômico. O dispositivo concede anistia política e recomenda que outros órgãos públicos assegurem direitos a esses grupos violados. A medida também tem um caráter simbólico de pedido de desculpas.
No caso dos povos indígenas, por exemplo, foi apontada a necessidade de atenção especial a questões sanitárias e de saúde nas comunidades. Outra demanda apresentada foi para que ocorresse a demarcação dos territórios. O colegiado concordou em apresentar uma recomendação ao governo Lula para que as terras krenak e kaiowá sejam demarcadas.
Os indígenas das duas comunidades foram perseguidos pelo regime militar e foram forçados a deixar os seus territórios, entre 1946 e 1988. A ditatura construiu um reformatório no território Krenak, que, segundo especialistas do Ministério dos Direitos Humanos, se tornou um centro de detenção arbitrária para realizar o controle social desses indígenas. O povo também foi privado do exercício de seus ritos religiosos.
O relator do caso krenak, Leonardo Kauer Zinn, afirmou que o requerimento apresentado pelos indígenas reuniu farta quantidade de provas que atestam que "houve forte intervenção governamental e empresarial nas terras indígenas, que resultou em mortes, violação à integridade física dos indígenas e profundas desintegração dos modos de vida, colocando em risco a sua existência enquanto povo".
— Os direitos indígenas foram desrespeitados, tanto em relação às suas terras quanto às suas liberdades. Os governos militares foram caracterizados pelos desrespeito às instituições indígenas e pela sistemática expulsão de seus territórios tradicionais — disse Zinn.
O pedido de reparação ao povo krenak ficou parado na Comissão de Anistia durante os governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). Quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) assumiu o Palácio do Planalto, o caso foi enfim pautado, mas foi indeferido, em 2022. Ele retornou à comissão por meio de um recurso.
A comissão ainda formalizou pedidos de desculpas às duas comunidades indígenas pelos crimes cometidos por autoridades do Estado brasileiro.
— Eu quero, em nome do Brasil e do Estado brasileiro, pedir desculpas ao senhor. Que o senhor leve esse pedido de desculpas a todo o povo guarani kaiowá. Em nome da Comissão de Anistia do Estado brasileiro, nós concordamos com todos os termos da proposta que o senhor e o povo trouxeram para a gente — disse Enea ao líder do povo kaiowá, Tito.
Ainda nesta terça-feira, a comissão julgará o pedido de reparação apresentado pelos indígenas guyraroká, que ocupam um território no Mato Grosso do Sul.
Presidente da comissão, a advogada Enéa de Stutz e Almeida pediu desculpas aos povos indígenas de joelhos. Confira: