Aos poucos, as peças do quebra-cabeça em relação às 25 cartas (sendo 23 inéditas) do ex-presidente Getúlio Vargas recém-descobertas no RS começam a ser encaixadas. As correspondências, que foram reveladas este mês com exclusividade por GZH, ficaram esquecidas na Fazenda do Itu, localizada na Fronteira Oeste, durante décadas.
Os manuscritos (pertencentes ao exato período de 1931-1946) não foram como se poderia imaginar direto da fazenda para o Museu Cônego Hugo, em São Francisco de Assis. Antes de serem doados por uma pessoa na condição de anonimato em 2020, passaram pelas mãos de outros familiares de Vargas – seu filho Lutero e, em seguida, Cândida Darcy Vargas (filha de Lutero e neta de Getúlio).
A informação foi revelada pelo sobrinho-neto do ex-mandatário do país, Carlos Ary Vargas Souto, de 88 anos. Antes de se aposentar, o doutor Souto, como ainda é conhecido, teve uma extensa trajetória na medicina como médico urologista. Ele é filho de Israel Ramiro Souto e Lygia Vargas Souto (sobrinha de Getúlio).
O descendente de Vargas concedeu entrevista para GZH sobre a descoberta dessas cartas. A esposa Medy Stumpf Souto, 87, participou da conversa e ajudou a elucidar episódios ocorridos há muito tempo atrás, inclusive o caminho percorrido pelas correspondências.
O casal, que tem cinco filhos, acompanha de perto as últimas notícias sobre as mensagens trocadas em sua maioria entre o então presidente e seu irmão Protásio Vargas. A entrevista ocorreu na quinta-feira (25), no apartamento do casal, situado no bairro Independência, em Porto Alegre.
O material inédito está temporariamente em posse do professor Edison Hüttner, do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Com o auxílio da pesquisadora Fabiana Ciocheta Mazuco, o docente investiga as cartas e desenvolve um relatório em torno das correspondências.
Na próxima terça-feira (30), às 16h30min, será aberta a exposição Getúlio Vargas: Outras Fronteiras, no Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS, localizado na Avenida Ipiranga, 6681 (prédio 40). Será o momento para o público poder ter contato com manuscritos originais tão relevantes de um período significativamente conturbado da história política brasileira.
O que o senhor achou da descoberta dessas 25 cartas praticamente 90 anos depois de escritas?
Acho que foi uma impressão positiva, porque as coisas do Getúlio são históricas. Então interessa como um fato histórico e não só como um problema, vamos dizer assim, familiar. Mas histórico em relação ao país.
GZH - Com quem as cartas estavam antes?
(resposta dada por Medy Stumpf Souto) As cartas estavam na Fazenda do Itu. A filha do Lutero (Cândida Darcy Vargas) foi morar uns dias lá, não sei quanto tempo. Ela esteve lá na fazenda e pegou documentos e revirou tudo, segundo o pai dela Lutero exatamente nos contou. Um dia ele chegou e não encontrou mais a filha. Ela tinha ido morar em São Francisco de Assis. Provavelmente, ela deve ter levado (as cartas inéditas), já que encontrou tudo bem guardado e arrumado. O pai dela, filho do Getúlio, é quem tinha esses documentos bem arrumadinhos. Ela pegou o que quis e foi morar em São Francisco de Assis. O resto eu não sei.
O senhor acha que mais cartas inéditas podem aparecer?
Não sei. Na realidade, eu soube dessas cartas através de Zero Hora.
Acho que foi uma impressão positiva, porque as coisas do Getúlio são históricas. Então interessa como um fato histórico e não só como um problema, vamos dizer assim, familiar. Mas histórico em relação ao país.
CARLOS ARY VARGAS SOUTO
Sobrinho-neto do ex-presidente
Tem ideia por qual motivo essas cartas ficaram guardadas por tanto tempo?
Talvez tivessem ficado esquecidas. Não sabia, fui surpreendido pela reportagem de vocês.
O que achou da temática das cartas que apareceram, como os episódios de Santo Tomé, em 1933, e a detenção do Luís Carlos Prestes? Pouca gente sabia desse fato obscuro ocorrido na Argentina.
Me coloco junto da população, não sabia. Talvez tenha esquecido. Minha mãe (Lygia Vargas Souto) me deu o nome de Ary por causa do irmão dela, que era o Ary Mesquita Vargas (morto no episódio de 1933, em Santo Tomé).
Se surpreendeu com a quantidade de cartas?
Sim, ele era um homem que gostava muito de escrever. Quando tinha uma história ou coisa qualquer que fosse, não necessariamente importante, ele escrevia. E depois colocava fora, mas ele gostava de escrever.
Vocês pensam em ver as cartas quando estiverem expostas?
(resposta dada por Medy Stumpf Souto) Vamos lá, mas tem que ser em um horário que não tenha tanta gente. Não posso mais com multidões porque caminho mal.
Qual a importância de Getúlio Vargas na política brasileira?
Acho que foi um homem muito importante. Como político, ele foi muito importante na história do Brasil.
Vocês ficaram impactados com o suicídio dele em 1954?
(resposta dada por Medy Stumpf Souto) Posso comentar, porque eu vi. Era colega dele (marido) na Medicina. Começou um boato e aquela correria toda nos corredores da Faculdade de Medicina da UFRGS. E disseram que o Getúlio se matou. E tu disseste: "Não, o tio Getúlio, não!". Tu fizeste assim. Eu me lembro. Isso foi em 24 de agosto de 1954.
Como era o Getúlio na intimidade com a família?
Era muito agradável e afável.