Em um debate acalorado que gerou animosidade entre prefeitos, a maioria das associações de municípios gaúchos se posicionou, nesta quarta-feira (25), contra a proposta do governo do Estado de doação de R$ 500 milhões para obras federais.
Das 21 associações que participaram da votação, 11 se posicionaram contra o projeto de doação de recursos estaduais, enquanto sete se disseram favoráveis e outras três se mostraram indecisas. A votação ocorreu de forma presencial, durante assembleia geral convocada pela Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs) para manifestar posição sobre o tema.
Ao fim da votação, a direção da Famurs acolheu o pedido de parte dos prefeitos e adiou para esta quinta-feira (26) a finalização da contagem dos votos, para permitir que associações ainda possam mudar o posicionamento inicial. As seis associações que não participaram da assembleia geral também poderão se manifestar por e-mail e terão os seus votos contabilizados até as 15h desta quinta.
Os prefeitos críticos à doação apontam que a União tem mais recursos do que o Estado, logo, o Rio Grande do Sul não teria condições de usar o seu parco dinheiro para resolver compromissos do governo federal.
— Eu estou realmente muito pateta porque sempre me disseram que a União é a grande concentradora de recursos (de impostos) do Brasil, com 67%. Que o Estado ganha 20% (dos impostos) e os municípios, uma miséria. Será que a União precisa tanto da nossa ajuda? — questionou o prefeito Constantino Orsolin, representante da Associação dos Municípios de Turismo da Serra (Amserra).
Júlio Campani, vice-presidente da Associação dos Municípios do Vale do Rio Caí (Amvarc), também criticou a doação de dinheiro gaúcho para Brasília e argumentou que o governo do Estado deveria usar os recursos como estratégia para reduzir o preço dos futuros pedágios.
— Esse leilão vai fazer com que nesse Bloco 3 nós tenhamos, na RS-122, a tarifa mais cara de pedágio do Estado: R$9,83 nos dois sentidos. Se esses R$ 500 milhões fossem investidos no Bloco 3 (de concessão de rodovias), em obras estruturantes, com certeza o custo da obra cairia e o custo do pedágio baixaria vertiginosamente — argumentou Campani.
Entre os prefeitos favoráveis, um dos argumentos é de que tanto faz de onde vem o recurso, o importante é investir dinheiro na duplicação da BR-290 e da BR-116. O representante da Associação de Municípios da Região Metropolitana (Granpal), Rodrigo Battistella, criticou o governo federal pela falta de investimento, mas argumentou que o mais importante é desafogar a BR-116.
— Sem dúvida nenhuma, esses R$ 500 milhões deveriam ter vindo do governo federal. Mas, o investimento é no Estado, não importa a via que for. Os benefícios desse investimento ficarão no nosso Estado — disse Battistella, lembrando que os 19 municípios da Granpal representam 37% do Produto Interno Bruto (PIB) e quase 40% da população estadual.
O presidente da Associação dos Municípios da Região Carbonífera (Asmurc), Daniel Almeida, ressaltou o cenário de mortes no trânsito na BR-290, que pode ser reduzido com o investimento de dinheiro estadual.
— Nenhum prefeito que está aqui tem a dimensão do que é, todas as semanas, a Polícia Rodoviária Federal ir lá no seu município — alegou Almeida.
O presidente da Associação dos Municípios do Vale do Rio Pardo (Amvarp), Mano Paganotto, sugeriu que são "burros" os prefeitos que não concordam com o repasse de dinheiro estadual para as obras federais.
— Os nossos bisnetos um dia vão dizer: “Como meu avô era tão burro e boca-aberta e deixou passar um investimento desse?” — disse Paganotto.
Além dos prefeitos, participaram da assembleia geral da Famurs representantes do Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (Daer), por parte do governo do Estado, e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), pela União — ambos favoráveis ao investimento.
Para investir recursos próprios em rodovias federais, o governo do Estado precisa de autorização dos deputados estaduais, o que busca com o projeto de lei 51/2022. Com resistências inclusive entre aliados, o Piratini recuou, na semana passada, e retirou a urgência da proposta. Se conseguir o apoio da Famurs, a tendência é de que volte a pedir urgência na proposta.
Entrevista
Leia abaixo trecho da entrevista com o diretor-geral do Daer, Luciano Faustino, sobre a proposta de doação de recursos do Estado para rodovias federais:
GZH - O que acontece com os R$ 500 milhões se não forem usados em obras em rodovias federais?
Faustino - Esse recurso é oriundo de crédito extraordinário que o Estado teve esse ano, em função principalmente das privatizações. E precisa ser liquidado este ano. Tanto é que o próprio Dnit apresentou na sua carteira outros investimentos federais que poderiam receber esse recurso.
E se esse recurso não for utilizado, para onde vai?
Não tem como o Estado garantir que o recurso fique guardado para o próximo exercício financeiro. O Estado vai buscar, obviamente, outra alternativa para a alocação do recurso.
O recurso ficará, então, no caixa do Estado? O Estado não perde o recurso?
Sim, o recurso é do Estado, vai ser utilizado (em algum momento), não vai ser perdido. A questão é a oportunidade de investimento que hoje se tem e que vai ser perdida. O recurso é do Estado e vai ser investido. São rodovias federais? Sim, mas são estratégicas para o Rio Grande do Sul. Se os deputados entenderem que não é viável, o Estado vai buscar outras formas de utilização desse recurso, mas não em obras rodoviárias (em 2022) porque não há tempo hábil para fazer projeto, licitação e utilização desse recurso.