O presidente do Superior Tribunal Militar (STM), general Luiz Carlos Gomes Mattos, rompeu o silêncio sobre os áudios de ministros da Corte durante a ditadura, que apontam a prática de tortura por agentes das Forças Armadas no período de 21 anos em que vigorou o regime de exceção.
Durante a sessão de julgamento nesta terça-feira (19), a primeira após a revelação do material, Mattos afirmou que não tinha "resposta a dar". O general chamou de "tendenciosas" as notícias sobre as gravações e acusou a imprensa de querer "atingir as Forças Armadas".
— Não estragou a Páscoa de ninguém — disse ele, referindo-se à data da divulgação dos áudios.
— A gente já sabe os motivos, do por que isso vem acontecendo nesses últimos dias, seguidamente, por várias direções, querendo atingir as Forças Armadas, o Exército, a Marinha, a Aeronáutica, nós que somos quem cuida da disciplina, da hierarquia. Não temos resposta nenhuma para dar, simplesmente ignoramos uma notícia tendenciosa daquela, que nós sabemos o motivo — disse Mattos.
Para o atual presidente do STM, a instituição não tem "resposta nenhuma a dar" sobre as declarações de seus antecessores, que reconheceram práticas abusivas nos porões da ditadura militar. Os atuais membros da Corte, disse ele, optaram por ignorar o caso.
Embora tenha dito ignorar as revelações, Mattos assumiu ter ficado incomodado com o escrutínio público do passado torturador das Forças Armadas.
— Não têm nada para buscar hoje, vão buscar no passado, rebuscar o passado. Só varrem um lado. Não varrem o outro. É sempre assim, já estamos acostumados com isso — afirmou.
Segundo ele, as sessões do STM sempre foram transparentes.
Em um dos áudios revelados, o general Rodrigo Octávio relata, em 24 de junho de 1977, o aborto sofrido por Nádia Lúcia do Nascimento aos três meses de gravidez em decorrência de sucessivos "choques elétricos em seu aparelho genital". O ministro falou em "castigos físicos" sofridos pela vítima em um dos DOI-Codi, órgãos de repressão política sob comando do Exército que agiam nos Estados, no combate à oposição ao regime. Na ocasião, o oficial cobrou a investigação do caso.
As 10 mil horas de gravações de sessões do STM entre 1975 e 1985 foram obtidas pelo advogado criminalista e pesquisador Fernando Fernandes e pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
As gravações obtidas pelos pesquisadores vão de 1975 a 1985. O acesso aos áudios demorou duas décadas para ser liberado. Em 2006, Fernandes pediu acesso ao material, mas o STM negou. Cinco anos depois, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a entrega do material, ordem que foi cumprida apenas após o plenário do Supremo confirmar o voto da ministra, em 2015.
Em breve, todo o conteúdo das gravações estará disponível em um site em fase de conclusão.
Vai trazer do túmulo?
Na segunda-feira (18), o vice-presidente Hamilton Mourão reagiu com ironia ao ser questionado sobre os áudios.
— Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. Vai trazer os caras do túmulo de volta? — afirmou, rindo, o general da reserva.
Na avaliação do vice-presidente, a tortura "é passado".
— Isso é história, já passou. É a mesma coisa de voltar para a ditadura do Getúlio (Vargas). São assuntos já escritos em livros, debatidos intensamente. É passado. Faz parte da história do país — disse Mourão.