Foi infeliz, para dizer o mínimo, a forma irônica como o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República e pré-candidato ao Sendo pelo Rio Grande do Sul se referiu aos áudios que mostram ministros militares falando sobre tortura durante sessões do Superior Tribunal Militar. Mourão não pode confundir anistia com esquecimento, nem sugerir que se esqueça o que ocorreu nos anos de chumbo.
— Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. Vai trazer os caras do túmulo de volta? — perguntou Mourão, entre risadas.
Aos jornalistas que o abordaram na entrada do Palácio do Planalto, Mourão disse que considera os áudios garimpados pelo historiador Carlos Fico e divulgados pela jornalista Miriam Leitão no fim de semana, como “parte do passado”:
— Isso já passou, né? A mesma coisa que a gente voltar para a ditadura do Getúlio (Vargas). São assuntos já escritos em livros, debatidos intensamente. Passado, faz parte da história do país.
Sim, já passou, mas precisam ser divulgados para que os brasileiros que não viveram aquele período de exceção saibam o que aconteceu nos porões da ditadura e não caiam no conto dos que dizem que é tudo invenção da mídia. Da mesma forma, é importante que se ensine aos alunos o que foi a ditadura de Getulio Vargas. Uma democracia não pode ter ditadores de estimação, nem querer apagar da biografia dos seus ditadores os erros com a justificativa de que os opositores também erraram.
Nas mais de 10 mil horas de gravações de sessões do STM, um general defende a apuração do caso de uma grávida que sofreu aborto após receber choques elétricos na genitália, um ministro denuncia uma confissão de roubo a banco obtida a marteladas de um suspeito que estava preso à época do crime, outro ministro afirma que começa a acreditar nas torturas "porque já há precedente" e um revisor relata o caso de um suspeito que assumiu crime que não cometeu para não apanhar.
O julgamento póstumo para os torturadores só pode ser feito pela História, com H maiúsculo. Entre os herdeiros do golpe militar de 1964 há os que exaltam torturadores, como o é caso do presidente Jair Bolsonaro, que não cansa de declarar sua admiração pelo coronel Carlos Brilhante Ustra, a quem chama de herói. Bolsonaro homenageou o torturador quando deu seu voto a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff, uma das vítimas mais conhecidas vítimas da tortura usada como método de arrancar confissões.
A anistia que permitiu a volta dos presos políticos que estava exilados valeu para os dois lados, mas não pode ser confundida com passar a borracha no passado. É preciso conhecer a História para que não se repita como tragédia nem como farsa. Os adversários do regime que pegaram em armas deveriam ter sido julgados à luz da Constituição e cumprido as penas cabíveis, nunca mortos ou torturados por agentes do Estado que usurparam do poder conquistado não nas urnas, mas na força das armas.