Uma reunião na Assembleia Legislativa entre deputados estaduais e prefeitos descontentes com o resultado do leilão de concessão de rodovias da Serra e do Vale do Caí reforçou a mobilização para que o certame não seja homologado. Com manifestações unânimes a favor da revogação, parlamentares e líderes municipais resolveram solicitar audiência para os próximos dias com o governador Ranolfo Vieira Júnior, na qual apelarão para que o governo recue no processo de concessão.
A sugestão partiu do presidente da Assembleia, Valdeci Oliveira (PT), ao final do encontro. Ele tem agenda com Ranolfo nesta quarta-feira (20) e vai levar ao governador o pedido para que receba com urgência uma comitiva de deputados e prefeitos. Embora crítico do resultado do leilão, o petista tenta assumir a tarefa de “mediador” do conflito. Na prática, a Assembleia não tem poder para impedir a concessão, por isso aposta na pressão política para sensibilizar o Palácio Piratini.
— Estamos tentando fazer essa ponte entre a sociedade e o governo. Por mais divergência que tenha, o governo tem de ouvir a população — ponderou Valdeci.
Participaram da reunião prefeitos, vice-prefeitos e líderes políticos de municípios do Vale do Caí. O porta voz do grupo foi o prefeito de São Sebastião do Caí, Júlio Campani (PSDB). Correligionário de Ranolfo e do ex-governador Eduardo Leite, Campani saiu do encontro esperançoso de que a pressão dos deputados faça a diferença:
— Muito embora se ponderasse e se documentasse, o governo não nos ouvia. Agora é diferente, é o parlamento do Rio Grande do Sul mostrando que está ao lado da sociedade. O governo tem de reconhecer que houve um ato nefasto para a economia do Estado e não homologar esse edital.
Além de Campani, estiveram no encontro presencialmente os prefeitos de Bom Princípio e Feliz, os vices de Portão e Capela de Santana e integrantes da prefeitura de Montenegro.
Representando os empresários da Serra, o presidente da Associação das Entidades Representativas da Classe Empresarial da Serra Gaúcha (CICS Serra), Elton Gialdi, disse que o resultado do leilão vai prejudicar a economia da região e disse que os valores dos pedágios ficaram acima do esperado
— Representamos 17 municípios. Desses, 14 entendem que o modelo não foi o mais adequado — declarou.
Licitado na semana passada na bolsa de valores de São Paulo, o bloco 3 das concessões estaduais reúne seis rodovias, entre elas a RS-122, principal ligação entre a Serra e a região metropolitana de Porto Alegre. No total, são 271,5 quilômetros de estradas concedidas. A previsão é de que o consórcio Integrasul faça investimentos de R$ 3,4 bilhões em obras ao longo de 30 anos.
O principal foco das queixas é o valor das tarifas de pedágio. O consórcio vencedor apresentou proposta com desconto de 1,3% em relação aos preços máximos publicados no edital. Dessa forma, a cobrança estipulada para as seis praças varia entre R$ 6,85 e R$ 9,83. O edital também prevê que os valores sejam corrigidos pela inflação.
Até o momento, o Piratini não cogita rever o processo de concessão. Pela manhã, em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, o chefe da Casa Civil, Artur Lemos, defendeu o projeto e ressaltou que os valores dos pedágios foram calculados no início de 2020, quando a conjuntura econômica era mais favorável.
— Neste momento, o deságio não foi aquele esperado porque ele foi consumido por tudo isso que estamos vivendo. A vida ficou mais cara para todos. Os investimentos também ficaram mais caros — afirmou.
Resistência política
Ao menos 14 deputados participaram da reunião com os prefeitos, realizada logo depois do encontro entre os líderes de bancada. A ausência mais notória foi a do deputado Frederico Antunes (PP), líder do governo do Legislativo.
Todos os parlamentares que se manifestaram defenderam a não homologação do leilão. A resistência não é ideológica, e vai do PT ao Novo, passando por representantes de PP, MDB e Republicanos.
Em linhas gerais, os deputados criticaram a realização do leilão em um momento de instabilidade econômica internacional. Sempre favorável às desestatizações, Fábio Ostermann (Novo) é um dos parlamentares que querem a revogação, pois acredita que o contrato vai “descredibilizar” as concessões:
— O governo deve ter a humildade de reconhecer que o momento do leilão não foi o melhor e rever essa medida.
Tiago Simon (MDB) minimizou a preocupação com a perda de credibilidade junto ao mercado em caso de revogação:
— O governo deve se preocupar com a credibilidade junto à sociedade gaúcha, que vai pagar a conta por 30 anos.
Pepe Vargas (PT) mencionou que, pelo modelo, o custo de uma viagem entre Porto Alegre e Caxias do Sul será de R$ 36,62.
— Base jurídica tem de sobra para não homologar o resultado — afirmou.