A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou nesta terça-feira (22), por quatro votos a um, o ex-procurador Deltan Dallagnol a indenizar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em R$ 75 mil por danos morais, devido à forma como foi apresentada a primeira denúncia contra o ex-mandatário na Operação Lava-Jato, em 2016. O valor total deve superar os R$ 100 mil com juros e correção monetária. Dallagnol ainda pode recorrer.
Durante entrevista coletiva em 2016, o Ministério Público Federal acusou Lula dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex de Guarujá (SP). Dallagnol usou uma apresentação de PowerPoint em que o nome do petista aparecia no centro da tela, associado a diversas expressões, como "petrolão + propinocracia", "perpetuação criminosa no poder", "governabilidade corrompida", “mensalão”, “enriquecimento ilícito”. O material estampou manchetes dos principais jornais do país e virou meme nas redes sociais.
A defesa de Lula afirma que o ex-procurador agiu de forma abusiva e ilegal ao apresentá-lo como personagem de esquema de corrupção, configurando julgamento antecipado. Os ministros concluíram que houve "excesso" na divulgação da denúncia contra Lula e que o ex-procurador ofendeu a honra e a reputação do ex-presidente. O petista pedia R$ 1 milhão por danos morais.
Na ocasião, Lula foi descrito pelo então procurador como "comandante máximo do esquema de corrupção identificado na Lava-Jato", "maestro de organização criminosa" e "grande general que comandou a realização e a continuidade da prática dos crimes". Dallagnol também atribuiu ao ex-presidente a "centralidade dos esquemas criminosos" da Lava-Jato e do mensalão.
Em seu voto, o ministro Luís Felipe Salomão, relator do caso, disse que Dallagnol ultrapassou o "tom informativo". "Se na peça de acusação não foram incluídas adjetivações atécnicas, evidente que a sua anunciação também deveria resguardar-se daquelas qualificadoras, que enviesam a notícia e a afastam da impessoalidade necessária, retirando o tom informativo, que é decorrência do princípio da publicidade, e a colocam indesejavelmente como narrativa do narrador", criticou o ministro.
Outro ponto considerado pelo ministro foi que o ex-chefe da Lava-Jato citou fatos que não faziam parte da denúncia, como o escândalo do mensalão. "É imprescindível, para a eficiente custódia dos direitos fundamentais, que a divulgação do oferecimento de denúncia criminal se faça de forma precisa, coerente e fundamentada. Sua divulgação deve ser o espelho de seu estrito teor", pontuou Salomão.
Ele foi seguido pelos colegas Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. Apenas a ministra Isabel Gallotti divergiu por considerar que a ação deveria ter sido proposta contra a União.
"Espetacularização"
Lula entrou com recurso para tentar reverter decisões de primeira e segunda instâncias, que negaram a reparação por danos morais. Antes da votação, o advogado Cristiano Zanin, que representa o ex-presidente, disse que Dallagnol "extrapolou as funções de procurador da República" e promoveu uma "espetacularização da investigação".
— É evidente que este procurador da República, hoje já não mais integrado à carreira, violou os direitos da personalidade do recorrente Lula ao convocar uma entrevista coletiva em um hotel em Curitiba, fora dos autos, fora da sua atuação profissional, e afirmar categoricamente que o aqui recorrente seria líder de uma organização criminosa — disse.
O defensor também argumentou que o valor inicialmente cobrado, de R$ 1 milhão, é "plenamente compatível com os dados causados", já que as informações da apresentação foram amplamente divulgadas.
— Aquilo que estava no PowerPoint era absolutamente descabido, seja porque ele (Dallagnol) não poderia exprimir juízo de culpa na data da apresentação da denúncia, seja porque a efetiva denúncia que tratou desse tema foi julgada improcedente. O aqui recorrente foi absolvido daquela acusação com o trânsito em julgado — acrescentou.
Interesse público
A defesa de Deltan Dallagnol foi feita pela Advocacia-Geral da União (AGU). O principal argumento é que as informações foram divulgadas para "informar a população e prestar contas das ações que estavam sendo realizadas pelo Ministério Público".
— Não houve violação à honra ou dano moral passível de indenização. A entrevista foi concedida dentro do exercício regular da função de procurador da República — disse o representante da AGU. — Não houve excesso e não houve sanção administrativa ou funcional.