A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para arquivar o processo que investiga se o presidente Jair Bolsonaro cometeu crime de prevaricação no processo para aquisição da vacina indiana Covaxin.
"Ao ser diretamente notificado sobre a prática de crimes funcionais (consumados ou em andamento) nas dependências da administração federal direta, ao Presidente da República não assiste a prerrogativa da inércia nem o direito à letargia, senão o poder-dever de acionar os mecanismos de controle interno legalmente previstos, a fim de buscar interromper a ação criminosa — ou, se já consumada, refrear a propagação de seus efeitos —, de um lado, e de 'tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados', de outro", ressaltou a ministra em despacho.
O crime de prevaricação é descrito no Código Penal como "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal". O delito é listado entre os crimes praticados por servidores contra a administração pública.
Segundo Rosa, o dispositivo tipifica o "gesto de infidelidade aos deveres do cargo e à função pública na qual investido o agente, cuja ação, animada por interesses subalternos ("satisfazer interesse ou sentimento pessoal"), culmina por prejudicar o normal e regular desenvolvimento da atividade administrativa do Estado".
Nessa linha, a relatora da investigação destacou que o Presidente da República "é súdito das leis e não pode se furtar ao dever tanto de extirpar do sistema jurídico aqueles atos infralegais que se põem em antítese com as leis da República quanto de repreender, no plano disciplinar, os agentes do executivo transgressores do ordenamento jurídico".
Rosa ainda rebateu, de antemão, possíveis alegações de ofensa à independência funcional do Ministério Público - o órgão que é "titular da ação penal" - destacando que não queria compelir o MPF a "agir em tal ou qual direção", mas apenas estava afastando a justificativa usada pela PGR na tentativa de isentar o presidente Jair Bolsonaro do crime de prevaricação.
A ministra destacou que o acolhimento do pedido de Aras, nos termos em que foi feito, imprimiria "força persuasiva" à tese do PGR sobre o crime de prevaricação "com inevitáveis repercussões sistêmicas sobre as demais estruturas orgânicas do Poder Judiciário" e possíveis impactos nos âmbitos estaduais e municipais.
Rosa frisou que cabe ao Supremo a "última palavra sobre o conteúdo normativo dos preceitos primários de incriminação", ainda mais quando há discussão sobre o significado e alcance de dispositivos constitucionais, como os invocados pela PGR para "inibir" a caracterização do crime de prevaricação.
Caso Covaxin
A investigação sobre a negociação para a compra da Covaxin foi aberta a partir de pedido da CPI da Covid, depois que o deputado Luis Miranda (Republicanos-DF) afirmou ter alertado o presidente sobre suspeitas de corrupção.
A PGR apontou falta de tipicidade na conduta do presidente para pedir arquivamento e que não ficou demonstrado qual ato foi cometido no episódio. No entanto, a ministra considerou que, nesses casos, cabe ao STF analisar se o pedido de arquivamento seguiu as regras.
Na decisão, Rosa Weber questiona o entendimento do MPF sobre a inexistência, segundo o órgão, de um "dever de ofício de reportar irregularidades" atribuído ao presidente em seu rol de funções descrito na Constituição brasileira.
A tese do MPF foi a mesma da Polícia Federal, que concluiu que Bolsonaro não prevaricou ao saber das denúncias porque não seria atribuição do presidente comunicar crimes a órgãos de controle.