Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou novamente a execução do orçamento secreto, no começo deste mês, o governo empenhou até esta terça-feira (14) R$ 1,38 bilhão. Ao contrário do que alegou o comando do Congresso ao STF, porém, a saúde e a educação estão longe de ser prioridade. Os ministérios responsáveis por essas áreas receberam apenas 4,6% dos recursos que foram reservados pelo Executivo. A maior parte das verbas (77%) foi para ações orçamentárias ligadas à pavimentação de ruas e à compra de maquinário pesado, como tratores.
Ao longo de 2020 e 2021, o governo reservou para despesas mais de R$ 30 bilhões das emendas de relator, identificadas pelo código RP9. A modalidade está na base do esquema do orçamento secreto, revelado pelo Estadão, e tem sido usada pelo Palácio do Planalto para distribuir indicações entre políticos aliados, em troca de apoio em votações importantes no Congresso.
Ao defender no STF a liberação das emendas de relator, o comando do Congresso apontou que nessa rubrica havia R$ 7,6 bilhões autorizados no orçamento, mas não empenhados. Se não for utilizado até o fim do ano, o dinheiro "se perde", ou seja, volta para o Tesouro Nacional. Do montante pendente, R$ 2,4 bilhões são da área da saúde, segundo o Congresso.
O argumento convenceu a relatora do caso, ministra do STF Rosa Weber. "Por ora, entendo acolhível o requerimento (...), considerado o potencial risco à continuidade dos serviços públicos essenciais à população, especialmente nas áreas voltadas à saúde e educação", escreveu Rosa na decisão que liberou os pagamentos.
Até agora, no entanto, o Executivo não priorizou a saúde e a educação na liberação dos recursos da rubrica RP9. Desde terça-feira, foram empenhados R$ 1,38 bilhão. Deste total, 78% (ou R$ 1,08 bilhão) foram transferidos para o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). Comandada por Rogério Marinho, a pasta tem sob seu guarda-chuva orçamentário a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) e é responsável pela distribuição de maquinário pesado a municípios. Em seguida vêm os ministérios da Cidadania (R$ 100 milhões empenhados), e da Ciência, Tecnologia e Inovações (R$ 75 milhões).
A reserva de dinheiro para as pastas da Educação e da Saúde foi pequena até agora: R$ 62,8 milhões e R$ 788 mil, respectivamente. Juntos, os dois ministérios perfazem menos de 5% do total. Os dados foram extraídos nesta terça-feira do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) pela ONG Contas Abertas.
Prefeituras
As obras de pavimentação e a compra de maquinário pesado para apoiar prefeituras têm sido prioridade para o Executivo desde que o STF autorizou novamente a execução das emendas de relator. As duas ações orçamentárias com mais recursos liberados foram as de Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado (código 7K66) e Apoio à Política Nacional de Desenvolvimento Urbano Voltado à Implantação e Qualificação Viária (1D73). A primeira inclui, além da pavimentação de vias, a "aquisição de máquinas e equipamentos de apoio à produção". A segunda diz respeito à "implantação e qualificação de infraestrutura viária urbana". Juntas, as duas ações tiveram pouco mais de R$ 1 bilhão empenhado até agora, ou 77% do total.
O relator-geral do orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AC), começou a publicar, nesta terça-feira, nomes e ofícios de congressistas e prefeitos que solicitaram a destinação de recursos das emendas. As informações estão sendo divulgadas pouco a pouco no site da Comissão Mista de Orçamento (CMO), de forma parcial, e não sistemática. Há uma tabela que sistematiza as indicações, mas ela traz algumas anotações incompreensíveis.
— O detalhamento mostra que a ação orçamentária com maiores valores empenhados é a de "Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado", do Ministério do Desenvolvimento Regional. Nesta ação é que se dá a compra de escavadeiras e tratores — afirmou o economista e presidente da Contas Abertas, Gil Castelo Branco.
Transparência
Para o cientista político Marcelo Issa, do Movimento Transparência Partidária, o modelo do RP9 continua tendo problemas, mesmo com a divulgação de alguns responsáveis pelas indicações.
— Os dois principais problemas continuam: primeiro, a inconstitucionalidade do uso que está sendo feito (das emendas de relator). Não se prestam a isso, mas simplesmente a corrigir erros e omissões (no texto da Lei Orçamentária). Segundo ponto: a falta de critérios objetivos para a distribuição dos recursos (...). Se o relator começar a receber uma enxurrada de pedidos, vindos de todas as prefeituras do país, qual será o critério para atender ou não? A LDO determina que sejam seguidos critérios socioeconômicos objetivos — afirmou Issa.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.