Exigência do governo federal para permitir a adesão do Rio Grande do Sul ao regime de recuperação fiscal (RRF), a criação de um teto de gastos nas finanças gaúchas mobiliza algumas das principais autoridades do Estado. Enquanto o governador Eduardo Leite busca adesão à medida, os chefes dos demais poderes tentam assegurar um orçamento maior para os próximos 10 anos. Na prática, a discussão pode elevar os desembolsos até o final de 2021.
Esse aumento nas despesas nos próximos 60 dias decorre da redação original do projeto de lei complementar (PLC) enviado à Assembleia Legislativa. Conforme o texto do Palácio Piratini, o orçamento anual de poderes, administração direta, fundos, autarquias e estatais será correspondente “à despesa primária empenhada no exercício anterior”.
Ainda que haja previsão de correção pela inflação (medida pelo IPCA), a regra vincula o gasto do ano seguinte aos recursos que efetivamente foram reservados para dispêndio no ano anterior. A medida está levando os ordenadores de despesa a vasculharem contratos atrás de compras que haviam sido projetadas, mas que não exigiam urgência. Ou seja, a ordem agora é gastar, para que não haja redução do orçamento em 2022. Em alguns órgãos já há reclamação de que não dará tempo para uma execução total do orçamento deste ano.
Para o secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, essa corrida não traz impacto tão relevante porque o orçamento dos poderes e 2022 já foi fixado na Lei Orçamentária Anual (LOA).
— O orçamento dos demais poderes está sujeito ao valor da LOA 2022, que é o valor de 2021 corrigido por 3,75%, conforme pactuado. Como a inflação de 2021, indexadora do teto, será bem maior que 3,75%, imaginamos que esse efeito tende a ser reduzido. Cada poder tem autonomia para executar dentro do orçamento da LOA — afirma Cardoso.
Para compensar eventual perda de recursos, os técnicos envolvidos na discussão cogitam a apresentação de uma emenda acrescentando 4,06% ao orçamento de 2022 do Judiciário (TJ), do Ministério Público (MP), do Tribunal de Contas (TCE) e da Defensoria Pública. Esse índice, correspondente à inflação de 2019 e incorporado aos respectivos orçamentos desses poderes em 2020, foi contingenciado na discussão da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021.
Se a ideia prosperar, TJ, MP, Defensoria e TCE teriam de volta cerca de R$ 180 milhões. Essa possibilidade, porém, não resolve a questão para a Assembleia, que em 2020 foi o único poder a receber o aporte de 4,06% por conta de um duro ajuste fiscal realizado no ano anterior.
O assunto foi discutido durante duas reuniões dos técnicos dos poderes com servidores da Secretaria da Fazenda e já há sugestão de texto para uma emenda a ser apresentada ao projeto. A decisão, contudo, deve ficar para mais próximo da votação, em 30 de novembro ou 7 de dezembro.
Repercussão
O governo tem pressa porque pretende formalizar o acordo com a União até o final de 2021. Em reunião com os chefes dos poderes, na quarta-feira passada (27), Leite disse que a adesão ao RRF é indispensável para o saneamento das finanças estaduais. Houve reações.
Embora a adoção de um limite para as despesas públicas seja tema de discussões desde 2019, o presidente do TJ, desembargador Voltaire de Lima Moraes, reclamou que o governo só avisou sobre o envio do projeto de lei à Assembleia um dia antes do protocolo formal do texto.
Já o presidente do TCE, Estilac Xavier, questionou a necessidade de um teto de gastos e colocou em xeque o valor da dívida com a União. Leite respondeu que o assunto já vinha sendo debatido há mais tempo e que a urgência se deve à precária situação jurídica da suspensão da dívida com a União, pendurada numa liminar do Supremo Tribunal Federal desde agosto de 2017. Ao cabo do encontro, o governador colocou os técnicos da Fazenda à disposição das demais instituições para ajudar na discussão de salvaguardas.
Na Assembleia, os debates políticos em torno do tema ainda não começaram. Todavia, as projeções apontam que o governo não deve ter dificuldades em obter os 28 votos necessários para aprovar o PLC. Com vigência de 10 anos, o teto é considerado pelo Piratini o corolário da política de reformas e ajuste fiscal conduzida nos últimos anos.
— O projeto se soma às reformas aprovadas. Colocamos em dia as antigas dívidas de curto prazo junto a servidores e fornecedores, mas é importante manter uma disciplina fiscal para frente. O Estado precisa construir superávit primário sustentável, caso contrário jamais conseguirá pagar a dívida com a União sem comprometer os demais pagamentos. O teto não se dá a cada despesa individual, e sim no conjunto geral do Estado, além de preservar gastos acima da inflação para educação e saúde caso a receita tributária também cresça acima da inflação — sustenta Cardoso.
Para o líder do maior partido de oposição na Assembleia, deputado Pepe Vargas (PT), a adoção do teto prioriza a austeridade fiscal em detrimento do crescimento econômico. Pepe afirma que o Piratini deveria buscar outras medidas, como uma renegociação da dívida como alternativa à adesão ao RRF.
— Vamos votar contra. Nenhum país mais pratica essa austeridade brutal. Óbvio que precisamos de metas fiscais, mas não se sacrifica investimentos, porque o resultado pode ser inverso. É um mito que não funciona. O Estado deveria abrir um debate federativo sobre a dívida, que era de R$ 9 bilhões, pagamos R$ 37 bilhões e devemos R$ 70 bilhões. A União não pode ter lucro financeiro em cima dos Estados. A adesão ao regime de recuperação fiscal dá uma folga, mas o Estado perde a autonomia. O governador vai ser um capataz aplicando políticas definidas por um comitê — critica Pepe.