O Ministério Público Federal (MPF) requereu ao diretor-geral da Polícia Federal (PF), Paulo Maiurino, a abertura de uma investigação para apurar se o delegado Felipe Alcântara de Barroso Leal cometeu abuso de autoridade e violou o sigilo profissional no inquérito que mira o presidente Jair Bolsonaro por suposta tentativa de interferência política na corporação.
O pedido foi enviado pela subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, depois que o delegado foi afastado do inquérito por ordem do ministro Alexandre de Moraes, relator da investigação no Supremo Tribunal Federal (STF).
O afastamento foi determinado pelo ministro porque Leal pediu informações à PF sobre atos administrativos do diretor-geral da corporação e à Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre relatórios que teriam sido produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) para orientar a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) no caso das rachadinhas. Moraes considerou que as providências não tinham "qualquer pertinência" com o objeto do inquérito.
"O crime de abuso de autoridade, atualmente previsto na Lei nº 13.869/2019, ocorre quando um agente público, seja servidor ou não, no exercício de suas funções, ou a pretexto de exercê-las, abusa do poder que lhe tenha sido atribuído. Exige-se ainda que o agente tenha a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou ainda por mero capricho ou satisfação pessoal", escreveu a subprocuradora ao pedir a investigação.
A hipótese de violação do sigilo profissional, por sua vez, tem relação com suposto vazamento de informações do inquérito.
Em manifestação enviada ao STF na semana passada, Leal justificou as medidas que levaram ao seu afastamento. Segundo o delegado, as diligências foram determinadas em razão de "novas lacunas investigativas". O delegado expõe no documento que a hipótese criminal foi reformulada depois que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, pivô do inquérito, comunicou sobre a reportagem da revista Época que revelou a produção de um relatório da Abin para subsidiar a defesa do filho mais velho do presidente no Caso Queiroz.
A reformulação também foi motivada, segundo o delegado, por uma série de mudanças internas na PF, incluindo a exoneração de Alexandre Saraiva da chefia da superintendência da corporação no Amazonas após a apresentação de uma notícia-crime contra o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, por suposta atuação em favor de madeireiros, e a não nomeação de Franco Perazzoni como delegado regional de combate ao crime organizado no Distrito Federal, que seria responsável por investigar fatos relacionados a Salles.
O delegado lista ainda duas outras medidas administrativas da PF que teriam influenciado a guinada do inquérito: a exoneração da delegada Carla Patrícia Cintra Barros da Cunha da superintendência da PF em Pernambuco e a não nomeação do delegado Rodrigo Morais para o cargo de coordenador-geral de Inteligência da corporação. Este último foi responsável pela investigação do atentado a faca sofrido pelo presidente na campanha de 2018.
A nova hipótese investigada é assim descrita no documento: "Jair Messias Bolsonaro valendo-se da qualidade de Presidente da República, em atos de blindagem de familiares ou de integrantes do seu governo, teria determinado inicialmente a substituição dos Superintendentes nos Estados do Rio de Janeiro e de Pernambuco, e posteriormente a exoneração do Superintendente do Amazonas e não nomeação de Franco Perazzoni como Delegado Regional de Combate ao Crime Organizado, no Distrito Federal".
A investigação sobre interferência indevida na PF foi aberta no final de abril de 2020, a partir de informações apresentadas por Moro, que deixou o governo acusando Bolsonaro de substituir nomeados em cargos estratégicos da corporação para blindar familiares e aliados de investigações. Desde setembro do ano passado, o inquérito estava praticamente parado, aguardando uma decisão do STF sobre o formato do depoimento do presidente, se presencial ou por escrito. O interrogatório do chefe do Executivo era considerado a última pendência para produção do relatório final com a conclusão das apurações.
Com a volta do delegado Felipe Leal para o caso, em julho, uma nova frente tinha sido aberta para apurar atos administrativos de Maiurino, que assumiu a direção da corporação em abril. No relatório enviado ao STF, o delegado diz que não "pressupõe responsabilidades", mas que buscava identificar a motivação para as mudanças internas na corporação.