O YouTube começou a aplicar os efeitos da decisão do corregedor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luis Felipe Salomão, que determinou, no dia 16, a suspensão dos repasses a canais bolsonaristas investigados por propagar desinformação e por transformar a ideologia política e os ataques a instituições em um mercado lucrativo.
Os valores que deveriam ser transferidos aos donos dos canais ficarão depositados em uma conta bancária atrelada à Justiça Eleitoral. A decisão atendeu a pedido da Polícia Federal, no âmbito da investigação aberta por causa da "live" em que o presidente Jair Bolsonaro disparou informações falsas sobre a segurança das urnas eletrônicas e do processo eleitoral.
A medida foi direcionada às principais plataformas de redes sociais. O YouTube é aquela em que as possibilidades de receita são mais interessantes a esses produtores de conteúdo. Além de ganharem com anúncios exibidos nos vídeos, podem pedir doações aos internautas e, ainda, vender o acesso a materiais específicos.
A decisão do ministro Salomão afetou 14 canais do YouTube. Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo, uma ferramenta usada na análise de mídias sociais estima que, juntos, eles poderiam faturar até R$ 15 milhões em um ano. O valor exato dos ganhos apenas as empresas possuem. Elas foram obrigadas a entregar essa informação ao TSE.
Na live de quinta-feira (26), Bolsonaro lamentou a decisão.
— A gente apela com o nosso TSE. Que, lamentavelmente, o corregedor está determinando para desmonetização de páginas de direita. Impressionante. É uma perseguição implacável — disse.
Ao determinar a suspensão dos pagamentos, Salomão frisou que as páginas e os canais atingidos "comprovadamente vêm se dedicando a propagar desinformação" e, por isso, a medida seria "razoável e efetiva porque, em tese, retira o principal instrumento utilizado para perpetuar as práticas sob investigação, qual seja, o estímulo financeiro".
"Na maior parte do conteúdo analisado, o que se constata não é a veiculação de críticas legítimas ou a proposição de soluções para aperfeiçoar o processo eleitoral - plenamente garantidas aos cidadãos e aos meios de comunicação -, mas sim o impulsionamento de denúncias e de notícias falsas acerca de fraudes no sistema eletrônico de votação, que, contudo, já foram exaustivamente refutadas diante de sua manifesta improcedência, inclusive pela própria Polícia Federal", destacou.
O TSE também discute uma resolução para proibir durante as eleições que canais com conteúdo político possam ser "monetizados", ou seja, impedidos de oferecerem lucro. A medida poderia ampliar os efeitos da decisão do corregedor.
No inquérito, a PF passou a tratar o comportamento da rede de bolsonaristas como a replicação do método de Steve Bannon, estrategista do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. O mecanismo foi usado na campanha presidencial americana de 2016.
O objetivo seria "diminuir a fronteira entre o que é verdade e o que é mentira" utilizando-se de ataques a veículos tradicionais de informação e da desqualificação de adversários.
"A prática visa, mais do que uma ferramenta de uso político-ideológico, um meio para obtenção de lucro, a partir de sistemas de monetização oferecidos pelas plataformas de redes sociais. Transforma rapidamente ideologia em mercadoria, levando os disseminadores a estimular a polarização e o acirramento do debate para manter o fluxo de dinheiro pelo número de visualizações", diz relatório da PF.
O inquérito administrativo do TSE é apenas uma das frentes nas quais a PF trabalha contra propagadores de fake news e ataques à democracia. No Supremo Tribunal Federal (STF) há outras duas apurações em curso. Uma delas culminou na prisão do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) por ameaças a integrantes do Judiciário.
O ex-parlamentar foi preso dentro do inquérito das milícias digitais, em que é apurada a movimentação de supostas organizações criminosas na internet. A outra investigação está no chamado inquérito das fake news, sobre fabricação, financiamentos e disseminação de informações falsas.