Em depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (1º), a médica e defensora do tratamento precoce contra a covid-19 Nise Yamaguchi negou que a proposta de decreto discutida em reunião no Palácio do Planalto fosse para alterar a bula da cloroquina para que o documento passasse a indicar o remédio para tratar a doença.
O relato da médica contraria os depoimentos dados pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e pelo presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres. Barra Torres chegou a dizer à CPI que foi deseducado com Nise ao ouvir a sugestão de alterar a bula do medicamento.
Com a divergência nos testemunhos, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), disse que quer fazer uma acareação entre a médica e o presidente da Anvisa na comissão. Questionada sobre as declarações de Barra Torres e Mandetta, Nise negou diversas vezes que tenha minutado tal proposta ou que a sugestão de decreto faria tal modificação.
Segundo ela, a minuta tratava da disponibilização do medicamento.
— Sendo nesse momento uma dispensação de medicamentos e adesão a tratamento de acordo com consentimento livre e com notificações no site da Anvisa. Não tinha nada a ver com determinação de bula da cloroquina — alegou Nise, que afirmou que irá entregar o documento que prova tal versão.
A declaração da médica voltou a esquentar o clima na comissão. Aziz chegou a dizer que Nise não poderia ter esse papel porque em depoimento à CPI, o presidente da Anvisa teria dito que o ministro Walter Braga Netto teria rasgado o documento ainda durante a reunião.
Segundo Nise, tanto Mandetta quanto Barra Torres se "equivocaram" ao falar sobre a existência de um decreto para mudar o bula da cloroquina.
— Eu não entendi que havia até aquele momento uma discussão sobre um decreto. Simplesmente estava conversando sobre a questão da cloroquina e a resolução de excepcionalidade. Eu não discuti inserção em bula por decreto em nenhum momento —declarou a médica.
Nise voltou a afirmar que na reunião que contou com a presença do ex-ministro Mandetta e do presidente da Anvisa, ela apresentou uma minuta que tratava da disponibilização do medicamento durante o período de pandemia.
— Não acho que eles tenham mentido — disse sobre as declarações de ambos. — Acho que eles tenham se equivocado. Acharam que a gente quisesse fazer um decreto da bula e não foi isso que aconteceu — declarou.
O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou na conta que mantém no Twitter que os vídeos apresentados na sessão desta terça-feira desmentem categoricamente o depoimento de Nise Yamaguchi, o que avaliou como "a primeira acareação da CPI".
A médica foi confrontada por Aziz após este ouvir um vídeo no qual a médica defende que não seria necessário uma vacinação "aleatória" da população, desde que ocorra o tratamento precoce para pacientes infectados com a covid-19. O presidente da CPI ainda pediu que as falas da depoente sobre a imunização sejam desconsideradas.
"Ficou comprovado que a doutora presencial é uma e a dos vídeos a desmente categoricamente. Lamento dizer que ela não foi verdadeira. Por mais suave que tenha sido, suas palavras feriram os fatos", afirmou o relator em publicação no Twitter.
Posto em ministério
Nise Yamaguchi também afirmou que não recebeu convite para ocupar o cargo de ministra da Saúde nem do presidente Jair Bolsonaro nem de outro membro do Executivo. A médica também descartou ter sido convidada para ocupar outro cargo na estrutura do ministério.
— Ele (Bolsonaro) queria saber o que tinha de dados científicos da hidroxicloroquina e eu fiz a seguir essa reunião com o Conselho Federal de Medicina para caracterizar o que tinha de científico. A dúvida dele era em relação às possibilidade com o que estava acontecendo no mundo — relatou a médica. — O que eu disse para ele (Bolsonaro) é que os médicos estavam divididos e que existia uma discussão sobre a parte científica do medicamento.
De acordo com Nise, a participação dela nos esforços do governo federal para conter a crise da covid-19 esteve restrita à participação em algumas reuniões. Segundo afirmou a médica, os convites partiram de assessores do então ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e do gabinete presidencial.
— Foi somente aquela reunião onde eu participei desse comitê de crise e depois não houve necessidade e eles não formalizaram. Eu fui uma colaboradora eventual — afirmou. — Não houve um convite formal para o gabinete de crise. Houve um convite para participar daquela reunião pontual. Eu fiz parte dessa discussão daquele dia com relação a isso. Reitero que o presidente nunca me convidou para ser ministra da Saúde.
A médica disse que esteve reunida com o assessor da Casa Civil, Élcio Franco, à época secretário-executivo da Saúde e com o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello para discutir, entre outros assuntos, os protocolos para o tratamento precoce. Nise afirmou que se reuniu também com o ex-ministro da Saúde Nelson Teich, porém não tratou do uso da cloroquina. Segundo a médica, Teich foi um "excelente gestor", uma vez que garantiu o contrato para as vacinas da AstraZeneca ao país.
Nise apontou também que durante os encontros estiveram presentes também o empreendedor Carlos Wizard e Arthur Weintraub, irmão do ex-ministro da Educação, apontados como integrantes do assessoramento paralelo do presidente. Nise afirmou que nunca conversou com Mandetta, com o ministro da Economia, Paulo Guedes, ou com o filho do presidente e vereador Carlos Bolsonaro.