Após dois anos tendo a crise fiscal como tema onipresente nos discursos, o governador Eduardo Leite pretende mudar a agenda do Palácio Piratini conduzindo a derradeira reforma estrutural de sua gestão. Até o final do mês chega à Assembleia Legislativa uma nova proposta de revisão tributária, concebida para amenizar uma perda bilionária de receita causada pelo fim das alíquotas majoradas do ICMS.
Mantida em sigilo, a proposta está sendo formulada por técnicos das secretarias da Fazenda e do Planejamento. Em reuniões periódicas, é submetida ao crivo do governador e nas próximas semanas será tema prioritário do governo nas negociações com os deputados.
Ciente de que não há ambiente político para novo aumento do ICMS, Leite aposta em um redesenho do sistema para evitar um retrocesso na situação financeira do Estado, após fechar o primeiro quadrimestre de 2021 com saldo positivo nas contas, o que não ocorria no período desde 2017.
Em fase de conclusão, o texto prevê revisão de isenções e escalonamento de alguns impostos para evitar uma queda de R$ 2,6 bilhões anuais na arrecadação de ICMS. Desse montante, cerca de R$ 2 bilhões ficam no Estado e R$ 650 milhões são repassados aos municípios. Para equalizar as contas, o governo conta com uma diminuição nas despesas de R$ 1 bilhão ao ano, garantida pelas reformas administrativa e previdenciária. O R$ 1 bilhão restante viria das novas medidas apresentadas à Assembleia.
Para vencer resistências, Leite aposta no trunfo político de um retorno aos patamares vigentes em 2015, quando a alíquota geral de ICMS era de 17% e setores como combustíveis, telecomunicações e energia pagavam 25%. Na época, diante da escassez de recursos para bancar salários e fornecedores, o então governador José Ivo Sartori aprovou por três anos o aumento de 17% para 18% na cobrança geral e de 25% para 30% sobre telecomunicações, combustíveis e energia.
Esses índices foram renovados até 2020 a pedido de Leite e deveriam voltar ao percentual original no final do ano passado. O governador chegou a propor uma reforma que criava faixas intermediárias de cobranças até 2024, mas não houve apoio da própria base e ele foi obrigado a acatar uma emenda do PT que mantinha os 30% somente em 2021 e ainda reduzia a alíquota geral para 17,5%.
Agora, Leite busca propor aos deputados mudanças mais suaves. A ideia é não mexer no ICMS, mas ir acumulando ganhos em outras pontas do sistema tributário até alcançar a cifra de R$ 1 bilhão. Uma das alternativas é passar a cobrar o Imposto sobre a Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer Bens e Direitos (ITCD) à semelhança do Imposto de Renda, com alíquotas sobre cada faixa de valor, de forma progressiva.
Outra mudança em estudo é na cobrança do IPVA. Não está descartada a tributação de veículos antigos, hoje isentos. A proposta sofreu forte rejeição ano passado na Assembleia, mas agora pode voltar à carga sob o argumento de que contribuiria para incentivar a renovação da frota. Também está no horizonte a adoção de estímulo para veículos com tecnologia sustentável, como carros elétricos.
Quanto à revisão de benefícios fiscais, uma das medidas que vem sendo apresentadas a entidades empresariais é a chamada “fruição consciente”, pela qual para usufruir de determinada isenção a empresa teria que comprar insumos de fornecedores do Estado. Seria uma forma de aumentar a arrecadação de forma indireta, estimulando negócios entre empresas locais.
Para facilitar a aprovação, todas as mudanças serão compiladas em um único projeto de lei, com exigência de maioria simples em plenário. Leite quer evitar uma reprise do que aconteceu em 2020, quando gastou cinco meses negociando o texto e teve três votações adiadas para, ao cabo, se ver obrigado a aceitar uma proposta alternativa da oposição.
Por ironia, a melhora nas finanças do Estado acabou atrapalhando os planos do governo, já que parte da base aliada usou o êxito do desempenho fiscal como justificativa para rejeitar a prorrogação das alíquotas. Para que esse cenário não se repita, o governador pretende argumentar que o ajuste ainda não se encerrou, afinal o Estado segue sem pagar a dívida com a União, contabiliza um passivo bilionário com precatórios que precisa ser zerado até 2029, e ainda não aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal.
No discurso, consta também a necessidade de se fechar o ciclo de reformas para atrair investidores, sobretudo diante do recém-anunciado pacote de concessões rodoviárias e da privatização de estatais como Sulgás, CRM e Corsan.
Situação e cenário
1) O que está em jogo
- Em 31 de dezembro de 2021, as alíquotas de ICMS majoradas desde 2016, no RS, perderão a validade
- Com isso, a partir de 1º de janeiro de 2022, o principal imposto do Estado voltará a patamares de 2015
- A alíquota básica, que hoje é de 17,5%, cairá para 17%
- A alíquota de combustíveis, energia e telecomunicações, atualmente em 30%, ficará em 25%
- Com isso, o governo do RS perderá R$ 2,6 bilhões em receitas, considerando a atual base de arrecadação
- Desse valor, 75% ficam com o Estado (R$ 2 bilhões) e 25% (R$ 650 milhões), com os municípios
2) O que o governo pretende fazer
- Para evitar a perda de recursos, o governo de Eduardo Leite planeja apresentar nova proposta de reforma tributária até o fim deste mês
- O projeto deverá ser menos amplo do que o proposto em 2020, que sofreu forte rejeição na Assembleia
- A intenção é propor medidas capazes de fazer frente a cerca de R$ 1 bilhão em perdas, já que as reformas previdenciária e administrativa devem render economia de R$ 1 bilhão em 2022
3) O esboço em debate
- A proposta em discussão no governo não inclui nova tentativa de prorrogação das alíquotas majoradas de ICMS, pois Leite entende que não há chance de aprovação e se comprometeu a buscar alternativas
- Estão em discussão alterações no Imposto sobre a Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer Bens e Direitos (ITCD), no Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e no modelo de isenções fiscais do Estado
- No caso do ITCD, está em estudo a adoção de uma sistemática de cobrança semelhante ao que ocorre com o imposto de renda, com alíquotas sobre cada faixa de valor, de forma progressiva
- Quanto ao IPVA, há a possibilidade de nova tentativa de tributação de veículos antigos, hoje isentos, além de incentivos a veículos com tecnologia verde, para incentivar a renovação da frota
- No tema das isenções, a ideia é adotar a chamada fruição consciente ou condicionada
- Isso significa que, para usufruir de determinada isenção fiscal, a empresa teria que comprar insumos de fornecedores do Estado, por exemplo
- Seria uma forma de aumentar a arrecadação de maneira indireta, estimulando negócios entre empresas locais