Em depoimento à CPI da Covid nesta quarta-feira (9), o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco tentou justificar a diferença de tratamentos da pasta dispensados à vacina produzida pela Fiocruz/AstraZeneca e ao imunizante do Instituto Butantan de São Paulo.
Segundo ele, a CoronaVac não poderia ser contratada antes de uma alteração legal, que foi efetivada por uma medida provisória editada apenas em janeiro de 2021. Franco negou que havia uma "resistência" do governo sobre o imunizante do Butantan, mas que as "incertezas" em torno da produção das vacinas contra a covid-19 eram levadas em conta pelo governo.
— Eu gostaria de destacar como parte da resposta que a fase 3 de estudos clínicos é também considerada cemitério de vacinas, desenvolvimento de vacina gera muitas incertezas, aspecto que permeou negociação de todas as vacinas. O acompanhamento constante de estudos clínicos ocorria justamente pela incerteza que essa fase pode causar — disse.
Franco afirmou que esse seria um dos motivos de o governo não ter contratado a vacina do Butantan antes de janeiro deste ano, mas foi confrontado pela cúpula da CPI sobre o motivo de essa preocupação não ter sido levada em conta no caso da AstraZeneca.
— Informamos em diversas reuniões que não poderíamos utilizar a mesma ferramenta da AstraZeneca, porque neste caso era uma encomenda tecnológica, e no caso do Butantan era vacina de vírus inativado. Então não caberia a encomenda tecnológica para a vacina que o Butantan desenvolveu — disse ele.
Em depoimento anterior à CPI, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, relatou que o governo assinou o contrato para adquirir a CoronaVac apenas seis meses após a primeira proposta. A compra foi assinada em 7 de janeiro deste ano. Covas ainda afirmou que, após o presidente Jair Bolsonaro declarar que a vacina não seria incorporada ao Plano Nacional de Imunização, as tratativas com o Ministério da Saúde foram paralisadas.
O episódio ocorreu em outubro do ano passado, logo após a pasta manifestar publicamente sua intenção de adquirir a CoronaVac. O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), cobrou o fato de o contrato não ter sido assinado naquele mês. Em resposta, Franco citou "incertezas" em torno do imunizante.
O ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde também contrariou a versão dada por Dimas Covas sobre as negociações entre o governo e instituto para a compra da CoronaVac. Franco disse à CPI que não recebeu ordem para interromper as tratativas, e que elas teriam continuado mesmo após as declarações do presidente.
— Não recebi ordem para interromper e as tratativas continuaram — disse Franco.
Logo depois da fala de Bolsonaro, Elcio Franco chegou a declarar que não havia intenção do ministério de comprar a vacina chinesa, uma referência à CoronaVac.
— Não entendi como ordem ao ministério — disse Franco ao ser confrontado por Calheiros, que o questionou sobre a versão dada por Dimas Covas à CPI.
— Acredito que foi uma percepção de Dimas Covas — respondeu o ex-secretário, que disse ainda que o Butantan não concluiu a entrega de documentos em dezembro e só o fez em janeiro deste ano.
— Contrato para 46 milhões de doses não poderia ser assinado 24 horas depois de medida provisória — disse Franco para argumentar que as tratativas com o Butantan não teriam sido interrompidas.
— Não há nenhum documento que eu tenha conhecimento de intenção de não prosseguir (com a CoronaVac), a carta de intenção de 19 de outubro continuou vigente — disse Franco.
Covas também disse à CPI que nenhum documento formalizou a paralisação das tratativas, mas que, na prática, as conversas com o ministério foram travadas após a declaração de Bolsonaro.
Questionado por Renan sobre como o ex-ministro Eduardo Pazuello e Bolsonaro se envolviam nas discussões sobre a compra de imunizantes, Franco afirmou que Pazuello o orientava a acelerar os processos "na medida do possível e dentro da legalidade".
— A orientação era que adquiríssemos a maior quantidade desde que garantida a segurança e eficácia pela Anvisa — disse.