Isolado no governo Jair Bolsonaro, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada neste domingo (20), que não sabe o que se discute no Planalto.
— É muito chato o presidente fazer uma reunião com os ministros e deixar seu vice-presidente de fora — disse Mourão. — É um sinal muito ruim para a sociedade como um todo. Eu, como vice-presidente, fico sem conhecer, sem saber o que está sendo discutido. Isso não é bom, não faz bem. Eventualmente, eu tenho que substituir o presidente e, se não sei o que está acontecendo, como vou substituir? Não há condições.
Durante a conversa, realizada por videoconferência, o vice revelou um exemplo concreto de sua exclusão no governo: ele se ofereceu para chefiar a delegação brasileira nas cúpulas do Clima e da Biodiversidade da ONU, neste ano, mas está sem resposta até agora.
Medindo as palavras, Mourão ressaltou que o governo não pode se comportar como "anjo" no relacionamento com o Congresso e reconheceu que o presidente chamou o centrão para operar politicamente. Ele disse que um esquema montado pelo presidente em troca de apoio político é um dos frutos dessa aliança e precisa ser reorganizado:
— Teve que haver negociação, se não perderíamos o controle sobre o Orçamento. Isso é um assunto que ainda vai ter de ser devidamente reorganizado, se não os governos ficarão totalmente à mercê dessa situação que está sendo vivida.
Ao ser questionado se declarações de figuras do governo em relação à China teriam prejudicado na obtenção de vacinas contra covid-19, o vice-presidente disse que não vê prejuízos ao Brasil:
— A China tem de distribuir insumo para muita gente, já vacinou em torno de 900 milhões de pessoas, em torno de 60% da população chinesa, e tem distribuído insumos a seu entorno estratégico. Não é simples.
Mourão também falou sobre o caso do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que participou de ato em apoio ao presidente Bolsonaro, no Rio de Janeiro, em maio deste ano. Militares das Forças Armadas são proibidos, por lei e pelos estatutos que regem a sua atuação, de se manifestarem sobre questões políticas e partidárias.
No caso de Pazuello, que chegou a fazer um breve discurso em um carro de som ao lado de Bolsonaro, o comandante-geral do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, concluiu que não houve transgressão disciplinar e arquivou o procedimento administrativo aberto para apurar o caso.
— O comandante do Exército optou por lhe dar apenas uma bronca em privado — disse Mourão. — Acendeu uma luz amarela nas Forças. Os próprios comandantes entendem que eles têm de abrir os braços, estabelecer uma barreira e dizer: "Olha, é daqui para trás. Daqui para a frente ninguém pode ultrapassar" — concluiu.