Interpelado no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo governador Eduardo Leite, o presidente Jair Bolsonaro não é obrigado a responder ao questionamento judicial. O ministro Gilmar Mendes estipulou prazo de cinco dias para que Bolsonaro explique uma declaração na qual teria sugerido possível desvio de recursos federais pelo governo do Estado.
São recorrentes as concessões de prazos para que presidentes da República se manifestem sobre algum tema em discussão no STF. Na maioria das vezes, trata-se das chamadas ações de controle concentrado, quando a Corte é questionada sobre a validade de alguma norma, como leis e decretos presidenciais, ou ante eventual descumprimento de um preceito fundamental da Constituição.
É o caso, por exemplo, da recente determinação do ministro Ricardo Lewandowski para que Bolsonaro explique a decisão de sediar a Copa América no país ou quando a ministra Rosa Weber deu cinco dias para que ele justificasse a edição de decretos facilitando a compra de armas. Segundo o STF, não há registro relevante nos últimos anos de que alguma determinação similar não tenha recebido resposta da Presidência.
— É dever do presidente da República responder esse tipo de demanda. Em algumas situações, responde por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), em outras pela consultoria jurídica do Palácio do Planalto. A rigor, não há sanção caso não responda, nem resulta em confissão, mas pode aumentar o leque de uma eventual imputação por improbidade administrativa — explica o advogado Eduardo Ferrão, sócio de escritório de advocacia de Brasília.
Todavia, no caso de Leite, por se tratar de uma interpelação judicial, uma recusa do presidente abre caminho para o governador eventualmente ingressar com ação por crime contra a honra. O tempo para a resposta começa a contar a partir da notificação do presidente, o que não havia ocorrido até esta segunda-feira (7).
De acordo com a assessoria do STF, a iniciativa do ministro é protocolar em ações desse tipo, servindo apenas como intermediação entre as partes. Se Bolsonaro não cumprir o prazo é improvável que venha a sofrer alguma sanção, conforme preconiza jurisprudência firmada na Corte. O procedimento usual é informar o requerente, neste caso específico, Leite, da renúncia do interpelado às explicações. Caberá então ao governador decidir se ajuíza queixa-crime contra o presidente por calúnia, injúria e difamação.
— Se ele não se manifestar, responde pela ofensa. Presume-se que ele teve a intenção de ofender, é quase uma confissão, o dolo fica presente. Para mim, já ficou muito claro que ele cometeu crime contra a honra — afirma o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa.
Leite acionou o Judiciário após uma entrevista de Bolsonaro ao jornalista José Luiz Datena, na Rede Bandeirantes. No início de março, ao comentar medidas tomadas pelos governadores no enfrentamento da pandemia, Bolsonaro disse que “vários Estados botaram suas contas em dia em cima de recursos que eram pra saúde”.
Falando por telefone ao programa Brasil Urgente, Bolsonaro ainda teria insinuado supostas irregularidades que teriam sido cometidas por Leite com verbas enviadas pela União, como o pagamento de salários do funcionalismo.
— O governador Leite botou em dia sua folha de pagamento e se esqueceu da saúde. Então, como veio essa nova cepa que ninguém esperava, e tem aumentado bastante o número de infectados e de óbitos, e a falta de leitos e respiradores está patente, ele quer buscar um responsável (...). O governador fala manso, muito educadamente, é uma pessoa até simpática, mas é um péssimo administrador. Onde ele enfiou essa grana? Eu não vou responder pra ele né… Mas eu acho que é feio onde ele botou essa grana toda aí. Não botou na saúde — disse o presidente à época.
Na ocasião, Leite gravou um vídeo rebatendo as declarações e depois acionou o STF. A petição protocolada em 13 de abril detalha o uso dos recursos federais no combate à disseminação de covid e pede que Bolsonaro explique o teor de suas afirmações.
No despacho, Gilmar Mendes diz que o pedido do governador é pertinente e que as eventuais explicações têm o objetivo de “esclarecer situações ambíguas, a fim de viabilizar o exercício futuro de ação penal condenatória, sendo cabível em qualquer das modalidades de crimes contra a honra”.
GZH procurou a Presidência da República para saber se Bolsonaro pretende atender à intimação do STF. Em resposta, a assessoria de imprensa afirmou que “o Planalto não comenta processos em tramitação judicial”. Também procurada, a Advocacia-Geral da União afirmou que só se manifestará nos autos.