A procuradora do Ministério Público Federal (MPF) Luciana Loureiro, responsável pela investigação que identificou suspeitas de irregularidades no contrato firmado entre o Ministério da Saúde e a empresa que representa no Brasil a vacina Covaxin, afirmou, nesta quarta-feira (23), que o ideal é que o acordo de R$ 1,6 bilhão seja anulado. Em entrevista à Rádio Gaúcha, ela disse que há indícios de favorecimento aos sócios da empresa Precisa Medicamentos, que representa no Brasil o imunizante indiano:
— O ideal é agora buscar a anulação do contrato e a anulação da nota de empenho (que reserva os valores públicos antes de serem pagos), para que esses recursos possam ser direcionados para outras ações no ministério. Todos sabemos que esse valor é significativo e pode ser usado em outra finalidade, inclusive na saúde.
Luciana detalhou que identificou nos autos que a empresa tentou uma antecipação no pagamento junto ao ministério, o que acabou não ocorrendo. Até agora, não houve pagamento de valores, mas indícios de irregularidades foram percebidos logo na origem do contrato.
A procuradora explicou que percebeu a suspeita em uma investigação cível que tinha como objeto apurar omissão na compra das vacinas. Ao vistoriar o contrato com a Precisa Medicamentos, percebeu que o texto "apresenta situações distintas dos demais que tivemos acesso":
— Isso nos gerou suspeitas de que a contratação tivesse tido velocidade e facilidade maior que as demais, inclusive com clausulas distintas em relação às demais no que tange responsabilidade e garantia.
Além da inexistência da garantia, o contrato, feito por dispensa de licitação, não passou por análise da procuradoria jurídica do Ministério da Saúde e não tinha justificativa sobre o alto preço pelas doses — o Executivo adquiriu a vacina por um preço 1.000% maior do que, seis meses antes, era anunciado pela própria fabricante. Além disso, a empresa ofereceu um aditamento do contrato com a compra de mais 50 milhões de doses sem que nenhuma tivesse sido entregue.
De acordo com a procuradora, após a suspeita ter sido percebida, foi ouvido o depoimento de um servidor do Ministério da Saúde, que relatou pressão anormal para que o contrato fosse firmado. Esse servidor é o diretor de importação do Departamento de Logística em Saúde da pasta, Luis Ricardo Miranda.
— Até então, era somente apurado sob aspecto cível, da improbidade administrativa, e os elementos que colhemos quanto à verificação das fases do contrato e o depoimento do servidor, que foi publicizado mas era sigiloso, e algumas outras diligências, despertaram a possibilidade de ser mais grave do que imaginávamos — disse Luciana.
Após isso, a investigação de improbidade, que corria no aspecto cível, foi dividida e solicitada a abertura de apuração também na esfera criminal. Segundo a procuradora, isso ocorre "porque pode ser um crime mais simples, como prevaricação, mas pode ter alguma situação de favorecimento que induza, de repente, ao juízo de corrupção".
O irmão do diretor de importação do Ministério, deputado Luis Miranda (DEM-DF), que é da base governista, declarou à imprensa que falou ao presidente Jair Bolsonaro sobre a possível irregularidade e a pressão sofrida pelo seu irmão. Em mensagens via WhatsApp, aos quais o jornal O Estado de S. Paulo teve acesso, o parlamentar afirma que tem "as provas e as testemunhas".
Em uma das mensagens, Miranda envia fatura de compra em nome da empresa Madison Biotech PTE Ltda. O documento, segundo disse o deputado ao Estadão, era uma fatura de US$ 45 milhões referente à importação da Covaxin.
O pagamento dependia da assinatura do irmão dele, Luis Ricardo Fernandes Miranda. O parlamentar disse que o parente se recusou a assinar, pois a área técnica considerou indevido o pagamento antecipado.
O Palácio do Planalto ainda não se manifestou. O caso virou alvo de investigação também na CPI da Covid.
Ouça a entrevista na íntegra: