A iminente polarização entre as forças bolsonaristas e do lulopetismo na eleição de 2022 está levando partidos de centro a estudarem um reagrupamento na corrida pelos governos estaduais. Nos cinco maiores colégios eleitorais do país, políticos começam a buscar alianças e definir estratégias para oferecer ao eleitor uma alternativa ao antagonismo representado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O objetivo é apresentar um discurso moderado, avesso à retórica radical que dividiu o país em 2018. Embora já haja certo consenso na concepção da plataforma eleitoral, o desafio é encontrar o melhor candidato. A exemplo da indefinição no cenário nacional, onde o centro acumula postulantes à Presidência - do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta ao ex-juiz Sergio Moro, passando pelo apresentador de TV Luciano Huck e pelos governadores Eduardo Leite (RS) e João Doria (SP) –, nos Estados a dificuldade de coesão se repete.
— Está faltando muita personalidade política ao centro. Não à toa, a candidatura do Lula ultrapassou todas as outras desse campo político muito rapidamente. Porque você não consegue criar homogeneidade política nem ideológica num campo tão amplo. A tendência é o centro se dividir, ficando unido em alguns Estados a forças de esquerda e em outros a forças de direita — aponta o cientista político Leonardo Avritzer, coordenador do Observatório das Eleições.
Por enquanto, essa rara homogeneidade do centro em torno de si mesmo parece ser vista apenas no Rio Grande do Sul, onde o tucano Eduardo Leite já anunciou que não pretende disputar a reeleição. Na Bahia e em São Paulo, a tendência é a formação de uma coalizão de centro-direita. Já no Rio de Janeiro e em Minas Gerais as costuras apontam para uma aliança de centro-esquerda. Confira a seguir como está o cenário das negociações nos cinco Estados com maior número de eleitores:
O centro unido no RS
Ao abrir mão da disputa da reeleição, o governador Eduardo Leite pavimentou o caminho para a união das forças de centro. Desde o final do ano passado, MDB, PSDB e PTB se aproximam ao redor da candidatura do deputado federal emedebista Alceu Moreira. A aliança deve atrair ainda legendas menores, como PSD e PL.
Não há qualquer negociação em torno da vaga de vice, mas o atual ocupante do cargo, Ranolfo Vieira Júnior (PTB), é tido como favorito para permanecer no posto caso o tucano não renuncie para entrar na disputa nacional - do contrário, o petebista só poderá concorrer a governador. Fiel a Leite e às medidas de distanciamento controlado, Ranolfo foi o pivô do litígio entre o presidente nacional do partido, Roberto Jefferson, e as bancadas na Assembleia e na Câmara. Punidos por Jefferson e sem espaço dentro da legenda, o grupo deve migrar para o PL. As conversas com o presidente estadual da sigla, Giovani Cherini, estão adiantadas.
Com o divórcio, o restante do PTB se alinharia à candidatura bolsonarista no Estado. Por enquanto, o principal representante do Planalto na disputa é o senador Luís Carlos Heinze (PP). Contudo, o ministro da Secretaria-Geral de Governo, Onyx Lorenzoni (DEM), tem dito em Brasília que irá concorrer a governador e pretende desfrutar do apoio exclusivo do presidente Jair Bolsonaro.
Seria uma forma do ex-capitão retribuir a lealdade de Onyx, um dos primeiros entusiastas de sua candidatura quando ele ainda era considerado um azarão, em 2017. Se Bolsonaro descartar simpatia por outros nomes no Estado, Heinze corre o risco de ver parte do PP apoiar Alceu Moreira.
Na esquerda, o PT já definiu o deputado estadual Edegar Pretto como principal nome do partido. Pretto pode ser o cabeça de chapa ou ainda o vice de Manuela D’Ávila, numa composição com o PCdoB. O PDT aposta na popularidade do presidente do Grêmio, Romildo Bolzan, para construir um palanque forte à candidatura presidencial de Ciro Gomes.
À espera de Doria em SP
Alvo preferencial das críticas do presidente Jair Bolsonaro, o governador João Doria mantém em expectativa os partidos de centro em São Paulo. À frente do maior colégio eleitoral do país, com 33,5 milhões de eleitores, o tucano é pré-candidato à Presidência, mas há poucos dias cogitou disputar a reeleição ao Palácio dos Bandeirantes. O movimento foi entendido como um recuo tático após o desconforto interno causado por sua disposição em assumir a presidência do PSDB. Em reação, uma ala do partido incentivou a pré-candidatura de Eduardo Leite ao Planalto.
A despeito da indefinição, é difícil Doria não atrair os partidos de centro, seja em busca renovação do atual mandato ou em torno da candidatura do seu vice, Rodrigo Garcia. Presidente do DEM no Estado e com participação em outras gestões tucanas no Estado, Garcia é um hábil articulador político e já trabalha na composição de uma ampla aliança de centro-direita, escorada sobretudo no PSDB e no MDB. Escanteado dentro do próprio partido, mas em posição mais favorável do que Garcia nas pesquisas, o ex-governador tucano Geraldo Alckmin tenta recuperar espaço interno e postular uma candidatura.
Sem um nome natural ao governo do Estado, as forças políticas do bolsonarismo já cogitaram o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub e o deputado federal Luiz Philippe Orléans e Bragança (PSL). No entanto, o postulante mais considerado mais competitivo é o ex-presidente da Fiesp Paulo Skaf. Amigo de Bolsonaro, ele já avisou que pretende deixar o MDB e se filiar a um partido mais identificado com o presidente.
Na esquerda, o ex-prefeito Fernando Haddad é a principal aposta do PT, embora ele mesmo não demonstre muita simpatia pela candidatura. Outra vertente da esquerda é o ex-governador Márcio França (PSB), provável locatário do palanque de Ciro Gomes no Estado.
A cobiça por Kalil em MG
Da direita à esquerda, o maior alvo da cobiça partidária em Minas Gerais é Alexandre Kalil (PSD). Reeleito no primeiro turno com 63% dos votos, o prefeito de Belo Horizonte é considerado um dos políticos mais populares do país.
Com bom trânsito em quase todos as legendas, uma atuação elogiada no combate à pandemia e rara capacidade de comunicação, Kalil já foi cotado até mesmo para concorrer à Presidência, embora PT e PDT também sonhem com ele para vice em suas chapas ao Planalto.
Segundo maior colégio eleitoral do país, Minas Gerais é considerado estratégico na disputa nacional, mas os partidos mais tradicionais do Estado, PT, PSDB, MDB e PSB não têm candidatos naturais ao Palácio da Liberdade. Acuados por denúncias de corrupção, os ex-governadores Aécio Neves (PSDB) e Fernando Pimentel (PT) submergiram.
O ex-prefeito Márcio Lacerda (PSB) se afastou da vida pública e o MDB ficou sem alternativa após o senador Rodrigo Pacheco migrar para o DEM em 2018. Seu nome seria um dos mais fortes para aglutinar o centro em 2022, mas ele se comprometeu com o PSD a não concorrer a governador em troca do apoio do partido na eleição que o consagrou presidente do Senado em fevereiro. Sem opções, todos querem Kalil.
O bolsonarismo flerta com o prefeito de Uberlândia, Adelmo Leão (PP), eleito no ano passado para o quarto mandato com 70% dos votos. O mais provável, porém, é que as siglas fieis a Bolsonaro acabem apoiando a reeleição do governador Romeu Zema (Novo). Já o PT cogita renovação com as prefeitas de Contagem e Juiz de Fora, respectivamente Marilia Campos e Margarida Salomão, mas ambas resistem a abandonar os mandatos.
Esquerda versus direita na Bahia
Dos cinco maiores colégios eleitorais do país, o Estado com maiores chances de reprisar a polarização direita versus esquerda e Bolsonaro versus Lula é a Bahia. A disputa será entre PT e DEM, partidos que hoje dividem o poder: os petistas com o governador Rui Costa e os democratas, com o prefeito de Salvador, Bruno Reis.
Em 2022, porém, o confronto se dará entre os principais nomes de cada sigla. O PT irá tentar manter a hegemonia de 16 anos com o retorno do senador Jaques Wagner. Governador por dois mandatos, de 2007 a 2015, Wagner foi sucedido por Rui Costa e deve liderar uma ampla aliança de centro-esquerda, abarcando PT, PSB, PCdoB, PSD e PP.
Herdeiro do carlismo, um dos maiores movimentos políticos da Bahia, o ex-prefeito ACM Neto também elegeu o sucessor e segue com elevados índices de popularidade no Estado. Para concorrer a governador, ele está construindo uma frente de centro-direita composta por DEM, PSDB, MDB, Republicanos e PSL.
Nas hostes mais fieis ao bolsonarismo, são citados os nomes do vereador Alexandre Aleluia (DEM) e da secretária de Saúde de Porto Seguro, a médica e entusiasta do uso de cloroquina Raíssa Soares. A especulação é de que eles poderia inclusive formar uma chapa pelo Patriotas, legenda que ambiciona atrair Bolsonaro.
Outro cotado para representar o presidente na eleição é o atual ministro da Cidadania, João Roma (Republicanos). Eleito deputado federal com o apoio de ACM Neto, Roma virou ministro ministro logo após o apoio do democrata à eleição de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara. À época, a nomeação foi vista como retribuição de Bolsonaro, mas ACM Neto nega vinculação e rompeu com Roma. O mais provável, porém, é que o ex-prefeito acabe atraindo o apoio da maior parte dos partidos ligados ao presidente no Estado.
O flerte com a esquerda no RJ
É no Rio de Janeiro que surge o mais simbólico fenômeno das articulações políticas visando uma conciliação de centro. À procura de um discurso moderado e uma candidatura competitiva ao governo do Estado, parlamentares até bem pouco tempo identificados com posições mais radicais da direita e da esquerda têm conversado com frequência regular. Esse diálogo envolve sobretudo os deputados federais Rodrigo Maia (DEM) e Marcelo Freixo (PSOL). Não por acaso, essa aproximação é vista com desconfiança por outros integrantes dos dois partidos.
Feroz opositor dos governos petistas, Maia tem flexibilizado suas convicções ideológicas à direita e há poucas semanas chegou a elogiar publicamente o ex-presidente Lula. Já Freixo costumeiramente manifesta cansaço com posições mais radicais do PSOL, principalmente o repúdio à alianças eleitorais fora da esquerda. Agora afinados no objetivo de impedir uma vitória do bolsonarismo na eleição ao Palácio Guanabara, ambos devem trocar de partido.
Maia já anunciou sua saída do DEM e deve formalização a filiação ao MDB no início de 2022. O mesmo caminho deve ser seguido, mais tarde, pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes. No outro extremo, Freixo ensaia uma ida para o PDT. Essa costura visa a construção de uma frente de centro-esquerda em cujas projeções mais otimistas abrigaria MDB, PDT, PT e PSDB.
Sem candidato natural ao governo do Estado, Lula vem defendendo que o partido abra mão da disputa em alguns colégios eleitorais importantes como forma de atrair apoio dos partidos de centro ao seu próprio palanque. Assim, a chapa dos sonhos teria Freixo concorrendo a govenador e o atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, de vice, representando o PSDB.
As conversas ainda são prematuras, mas o adversário em comum já está definido: é o governador Cláudio Castro (PSC). Aliado do presidente Jair Bolsonaro, Castro está prestes a migrar para o PSD em busca de maior envergadura partidária e quer atrair legendas que orbitam a base governista no Congresso, em especial o DEM e o PP.