Com a atuação direta do centrão e articulações do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), o governo Bolsonaro conseguiu colocar aliados nas principais comissões da Casa. Na prática, isso significa poder para o Palácio do Planalto pautar os projetos que quiser ou segurar propostas que não lhe agradem.
A leitura no Congresso é a de que o Planalto, diferentemente do que ocorreu em 2019, se organizou para ficar à frente das comissões que concentram os temas que mais lhe interessam.
Com a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nas mãos da deputada Bia Kicis (PSL-DF), Bolsonaro passa a dar as cartas no que vai ou não ser pautado. Temas caros ao presidente já estão nas prateleiras desta que é a "mãe" de todas as comissões — é por lá que passam, em algum momento, todas as propostas que tramitam nos demais colegiados.
Ex-procuradora do Distrito Federal, Kicis é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) sob suspeita de organizar atos antidemocráticos no ano passado. Ela chega ao posto após acordo de Bolsonaro com Lira.
Entre os assuntos que passarão pela CCJ está, por exemplo, o projeto que prevê a mineração em terras indígenas, tema acalorado nas falas de Bolsonaro desde os seus tempos de deputado. Estão ainda na comissão propostas que tocam em questões de armamento, com mais flexibilidade de porte e posse de armas de fogo.
Kicis poderá tocar adiante, ainda, um projeto polêmico que também está na CCJ e conta com seu apoio integral: a autorização para que pais possam educar os filhos em casa, sem a necessidade de matricular as crianças em escolas.
Ao assumir o posto, a deputada disse que "as minorias terão vez, terão voz e serão respeitadas, mas prevalecerá a vontade da maioria, que será externalizada através do voto".
Na Comissão de Meio Ambiente, o nome de Carla Zambelli (PSL-SP) deve ser oficializado nesta quinta-feira (11). Com apoio do Palácio do Planalto e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para assumir o comando da comissão, Zambelli também é uma das investigadas pelo Supremo no inquérito das fake news.
Crítica da atuação de organizações socioambientais, que já culpou, sem provas, como responsáveis por incendiar a Amazônia, Zambelli vai assumir o controle de uma pauta com temas vitais para o governo Bolsonaro. Na relação de projetos polêmicos estão os que se referem à liberação da caça, da pecuária em reservas legais, ao fim da lista oficial de peixes ameaçados de extinção e das zonas de amortecimento de unidades de conservação.
Derrota na Comissão de Relações Exteriores
Na conta da "derrota" do governo em meio às negociações partidárias, o caso mais emblemático é o da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, que sai do comando de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho "03" do presidente, e vai para Aécio Neves (PSDB-MG). A Comissão de Relações Exteriores trata de temas como tratados internacionais e acordos de cooperação do Brasil com outros países.
O PSL queria continuar com essa comissão, que também era visada pelo PT.
Réu no Supremo, investigado por corrupção passiva e obstrução da Justiça no escândalo da JBS, Aécio disputou o cargo com o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), descendente da família real, que tentava manter o legado de Eduardo Bolsonaro. Com o cargo, o tucano sai dos bastidores — onde opera desde que virou alvo da PF — para tentar voltar a ser protagonista em Brasília.
O governo ficou, ainda, com a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, com a nomeação da deputada Aline Sleutjes (PSL-PR). Próxima do ministro Salles, Sleutjes é pecuarista no Paraná. Agora, está sob seu controle a decisão de pautar projetos e escolher relatores de propostas como liberação de mais agrotóxicos, regularização fundiária e concessão de terras públicas.
A Câmara tem 25 comissões permanentes. Na estratégia para ocupar as mais importantes, o Palácio do Planalto também conseguiu o comando da Comissão de Finanças e Tributação, com a nomeação do deputado Júlio Cesar (PSD-PI).
A nomeação foi comemorada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a maior da Câmara e que tem Cesar como seu vice-presidente para a região Nordeste. Ao ser escolhido, o deputado agradeceu ao presidente da FPA, deputado Sérgio Souza (MDB-PR), que esteve à frente da comissão nos últimos dois anos.
— É um orgulho suceder esse homem competente, que faz um papel especial em favor dessa atividade tão importante e que tem contribuído muito para sustentar o nosso país, principalmente nesse momento de crise — disse Cesar.
Temas como regularização fundiária, flexibilização do licenciamento ambiental e agropecuária em terras indígenas estão na lista de prioridades da FPA, que quer ver os assuntos pautados nos próximos meses, como já afirmou Sérgio Souza. A bancada ruralista também comemorou a escolha de Kicis na CCJ, que "terá pela primeira vez uma mulher como presidente".
O mandato de presidente desses colegiados tem duração de um ano. Os últimos ficaram dois, extraordinariamente, por causa do início da pandemia, em 2020. Além disso, grande parte daquilo que passa pelas comissões tem efeito terminativo.