Após se empenhar na eleição de aliados nos comandos da Câmara e do Senado, o presidente Jair Bolsonaro apresentou uma lista de 35 propostas para que o Congresso priorize no retorno aos trabalhos. Na relação, entregue nesta quarta-feira (3) ao deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) e ao senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), estão desde propostas para a retomada da economia, como a privatização da Eletrobras, a pautas de costumes, como o projeto que criminaliza o infanticídio indígena, o que flexibiliza a porte de armas e o que prevê a liberação do ensino de crianças em casa, o chamado homeschooling.
A relação à qual o Estadão/Broadcast teve acesso divide as propostas em temas: "retomada de investimento", "fiscal", "costumes" e "outras pautas". A lista foi elaborada pela Secretaria do Governo, comandada pelo ministro Luiz Eduardo Ramos.
Como mostrou o Estadão, foi no gabinete do general, no quarto andar do Palácio do Planalto, que parlamentares negociaram emendas e cargos enquanto discutiam a eleição no Congresso. Bolsonaro nunca escondeu que sua intenção era interferir na pauta de votações.
— Vamos, se Deus quiser, participar e influir na presidência da Câmara — disse o presidente no dia 27, dias antes de Lira, seu aliado, ser eleito para o cargo.
Na Câmara, o governo quer prioridade para a reforma tributária, a privatização da Eletrobras, o marco legal de câmbio e a mineração em terras indígenas. O documento traz ainda como "tópico de relevância" a aprovação do orçamento até março, "para que o governo consiga honrar seus compromissos".
Para a pauta de costumes, Bolsonaro incluiu projetos que tratam de armas, sobre Garantia da Lei e da Ordem (GLO), aumento de pena para abuso sexual em menores, o documento único de transporte, a classificação de crime hediondo para pedofilia e homeschooling.
Na lista do governo há também a reforma administrativa, que deverá começar a tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a ser presidida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), aliada do Planalto.
Pela manhã, Lira e Pacheco estiveram no Palácio do Planalto e entregaram um documento no qual se comprometem com a votação de reformas econômicas, medidas para facilitar a compra de vacinas e defendem uma alternativa ao auxílio emergencial. A lista do governo, no entanto, não cita o benefício pago durante a pandemia entre as prioridades.
Nos compromissos assumidos pelos dois parlamentares, por sua vez, não há qualquer menção à pauta de costumes. Durante a campanha, tanto Lira quanto Pacheco foram evasivos ao serem questionados sobre o tema e condicionaram a votação destas propostas ao apoio da maioria dos parlamentares.
— Essas pautas invocadas pelo presidente da República são pautas de senadores. E todos têm direito de verem apreciadas suas pautas. Não haverá uma imposição da minha parte sobre o que deve ser pautado — disse Pacheco em entrevista ao Estadão em 21 de janeiro.
Armas, índios e homeschooling
Na lista de projetos de lei prioritários para o governo está o PL do Porte de Armas (3723/19), que foi apresentado ao Congresso pelo governo, e estabelece medidas para que pessoas comuns tenham direito de andarem armadas, ou seja, libera a concessão de porte de armas para cidadãos, e não apenas as categorias profissionais já previstas no Estatuto do Desarmamento.
O argumento do governo é que o projeto "visa aprimorar a legislação às necessidades e ao direito dos cidadãos que pretendem e estejam habilitados a possuir ou portar arma de fogo para garantir a sua legítima defesa, de seus familiares, de sua propriedade e de terceiros".
Hoje, o porte é permitido apenas para categorias incluídas no estatuto, como militares, policiais e guardas prisionais. Basicamente, o PL passa a permitir que as pessoas circulem armadas, dentro dos limites das propriedades que possuam, seja residência ou empresa.
O PL considera "o interior da residência ou domicílio a extensão da área particular do imóvel, edificada ou não, em que reside o titular do registro da arma, inclusive quando se tratar de imóvel rural". O mesmo é válido para o local de trabalho e toda a extensão da área particular de seu imóvel, "edificada ou não".
O texto também passa a permitir o porte de arma de fogo aos caçadores e colecionadores registrados junto ao Comando do Exército e a outras categorias a serem previstas em regulamento.
Outro projeto polêmico que Bolsonaro quer ver aprovado altera o Estatuto do Índio para criminalizar práticas de infanticídio. O PL 119, de 2015, é defendido há anos pela ministra Damares Alves, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sob o argumento de que é preciso combater "práticas tradicionais nocivas" em sociedades indígenas. O tema já gerou uma série de controvérsias e foi criticado pela Comissão de Direitos Humanos (CDH).
A crítica é que a legislação nacional já tem leis para julgar e punir qualquer cidadão em casos de infanticídio e maus-tratos de crianças. Na visão de especialistas no tema, a mudança, portanto, apenas serviria para estigmatizar e discriminar um grupo populacional, no caso, os índios. Defensores do projeto, porém, afirmam que é preciso combater "práticas tradicionais" que desrespeitam direitos fundamentais dos indivíduos, como mutilações e infanticídio, que seria praticado e algumas situações, quando a criança nasce com deficiência, por exemplo.
Ainda na esfera indígena, o governo quer aprovar o projeto que autoriza a mineração em terras indígenas, hoje proibida por lei. Pelo texto do PL 191/2020, as terras indígenas poderão ser licenciadas para todo tipo de exploração mineral, inclusive garimpo.
O PL da educação domiciliar, ou homeschooling, foi enviado por Bolsonaro ao Congresso em abril de 2019, mas desde então não avanços. A medida faz parte das prioridades dos cem dias de governo e é defendido pelo guru bolsonarista Olavo de Carvalho. A medida libera que pais eduquem seus filhos em casa, sem precisar, necessariamente, comparecer a uma escola. A pauta é controversa e, em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os pais não poderiam tirar os filhos da escola para ensiná-los exclusivamente em casa. A justificativa, na ocasião, foi justamente a ausência de uma legislação.
Reformas
A lista de Bolsonaro também pede a aprovação das reformas tributária e administrativa. Hoje, há três propostas de reforma tributária com mais chances. A da Câmara prevê a fusão de IPI, PIS, Cofins (federais), ICMS (estadual), ISS (municipal). Já a do Senado, IPI, PIS, Cofins, IOF, CSLL, Cide, Salário Educação (federais); ICMS (estadual); ISS (municipal). Única parte que foi entregue pela equipe econômica ao Congresso, a proposta do Congresso propõe unir PIS/Cofins em um novo imposto, chamado de Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS).
Já a reforma administrativa, entregue pelo governo em setembro do ano passado, muda as regras para contratar, promover e demitir os servidores. Ficaram de fora do alcance da maior parte das mudanças os servidores atuais e os chamados membros de outros poderes (juízes, promotores, desembargadores, por exemplo).
O governo também pediu apoio à discussão do pacotão batizado de "Plano Mais Brasil", enviado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em novembro de 2019.
Uma das propostas é o chamado pacto federativo, que revê as regras fiscais e injeta recursos nos Estados e municípios. O pacote também inclui uma PEC emergencial para abrir R$ 28 bilhões no Orçamento em dois anos e R$ 50 bilhões em uma década, e outra para tirar o carimbo de R$ 220 bilhões em recursos hoje parados em fundos do governo.