O relógio recém marcara 15h desta terça-feira (15) quando os deputados Fábio Branco, Carlos Búrigo e Gabriel Souza, todos do MDB, entraram em um amplo conjunto de salas do terceiro andar da Assembleia Legislativa. Lá dentro, eles eram aguardados pelos principais articuladores políticos do Piratini, o chefe da Casa Civil, Otomar Vivian, e o líder do governo, Frederico Antunes (PP).
A expectativa dos anfitriões era por um acordo que garantisse a aprovação da reforma tributária do governador Eduardo Leite, cuja votação foi adiada para esta quarta-feira (16). Mas o que se viu foi um jogo de astúcia e precaução em que cada lado esperava um aceno do interlocutor para avançar na negociação. Ao final de uma hora de reunião, permaneceu o impasse.
Depois de cinco meses discutindo mudanças na estrutura tributária do Estado, o governo chegou ao dia da votação sem maioria para aprovar o eixo fundamental da proposta: a prorrogação das atuais alíquotas de ICMS. O índice geral de 18% seria mantido somente em 2021, mas setores como energia, telecomunicações e combustíveis continuariam pagando 30% até 2024.
No final da manhã, logo no início da reunião de líderes, Antunes pediu a palavra e, em nome do governo, pediu o cancelamento da sessão marcada para às 14h. Houve consentimento unânime das 17 bancadas.
Nos bastidores, o adiamento já era esperado. Na véspera, o MDB havia anunciado que votaria contra o texto do governo, consumando uma posição que vinha sendo esboçada desde 13 de novembro, quando o projeto de lei foi protocolado. A decisão tomada pelo maior aliado do Piratini, dono de oito votos, tornou iminente uma derrota em plenário. Ao governo, restava suspender a votação e negociar mudanças na proposta.
O Piratini tinha ciência da resistência emedebista, mas esperava que o partido apresentasse suas próprias sugestões ou até mesmo um texto alternativo. O assunto chegou a ser discutido pela assessoria técnica do MDB, mas acabou escanteado. Principal interlocutor do governo na bancada e prestes a assumir a presidência da Assembleia, Gabriel Souza tratou de sepultar qualquer esperança de uma contraproposta:
— O governo pediu dois anos (de alíquotas elevadas, em 2018) e a Assembleia aprovou. Agora pede mais quatro. Não é responsabilidade do MDB apresentar uma solução para um problema que o próprio governo criou. Estamos dispostos a ajudar, mas do jeito que está o atual projeto não passa — vaticinou Gabriel ainda na noite de segunda-feira.
Fiel da balança, o MDB sabe que depende dele o êxito ou o fracasso do governo na votação. E ainda guarda na memória uma das frases mais provocativas da disputa eleitoral de 2018, quando o então candidato Eduardo Leite disse que governador José Ivo Sartori precisava "tirar a bunda da cadeira" para resolver a crise financeira do Estado.
Foi com esse espírito que Souza, Branco e Búrigo chegaram para a reunião na liderança do governo. Embora Branco e Búrigo flertem com a aprovação da reforma, a ideia é esperar que o Piratini apresente uma proposta capaz de cativar boa parte da bancada. Pelos cálculos atuais, são sete votos contra e um a favor – do secretário dos Transportes, Juvir Costella, que irá reassumir o mandato somente para a votação.
Mas, se surgir uma alternativa sedutora, o placar poderia virar para cinco a três a favor do governo, restando contra apenas Edson Brum, Vilmar Zanchin e Tiago Simon.
Pelos corredores da Assembleia, é consenso o sentimento de que há apenas uma formulação capaz de angariar a simpatia da maioria do MDB: limitar o texto à prorrogação das alíquotas por apenas um ano, 2021. Nada disso, contudo, é dito às claras.
Essa conversa cifrada, em que o MDB não garante os cinco votos, tampouco o Piratini acena com apenas um ano de alíquotas majoradas, conduziu toda a reunião no gabinete da liderança. Ao cabo de 60 minutos de digressões retóricas, não houve avanços nem decisão. Não há garantia sequer de que a votação ocorra nesta quarta-feira.
Sem dispor de espaço fiscal para abrir mão de R$ 2,8 bilhões de receitas do ICMS elevado, o governo já cogita deixar tudo para quinta-feira ou até mesmo para a semana que vem, nos últimos dias de trabalho da Assembleia em 2020.