Professor do Departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia (EUA) e especialista em Antropologia da Tecnologia, David Nemer alerta: a falsificação de notícias deve se tornar mais sofisticada nas eleições municipais marcadas para novembro deste ano.
O brasileiro, que pesquisa política e desinformação em grupos de WhatsApp, diz que será preciso redobrar a atenção. Confira os principais trechos da entrevista, concedida por telefone.
Depois do que vimos na eleição de 2018, com o avanço avassalador da desinformação e os disparos em massa de mentiras via WhatsApp, o que nos espera no pleito de 2020?
Acredito que teremos variáveis importantes em 2020. Na eleição de 2018, vivemos o elemento surpresa. A questão das milícias virtuais, da desinformação em massa, isso tudo estava sendo planejado às escuras. Em 2020, isso não vai ser mais surpresa. Está todo mundo esperando as fake news, vai rolar, e bastante. Não vai diminuir.
Será ainda pior?
Sim. As fakes news vão ser mais sofisticadas. As milícias virtuais terão mais cuidado. Elas sabem que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) está de olho e que o ministro Luís Roberto Barroso (presidente da Corte) está empenhado. Ele tem se reunido com o pessoal do WhatsApp e do Twitter. Tomou isso como prioridade, como deveria ter acontecido em 2018. Só que teremos um elemento a mais nesta eleição, que é a descentralização. Em 2018, a questão estava mais focada na campanha de Jair Bolsonaro. Agora, vai se dissolver. A gente vai ver frentes trabalhando localmente, mas sabemos que o TSE não tem tanta capilaridade e que os tribunais regionais não têm esse papel de protagonismo, de investigação.
Por outro lado, as regras estão mais rígidas e a Justiça Eleitoral fez parcerias com agências de checagem, lançou campanha contra a desinformação, acordou para o problema. Isso não vai ter efeito nenhum?
Veja, o que eu digo é que as ações das milícias virtuais serão mais sofisticadas e terão frentes locais, mas isso não quer dizer que o impacto vai ser maior. É difícil prever o que de fato vai acontecer. Pela forma como Barroso está se colocando, tudo leva a crer que a intensificação do esquema das fake news poderá ser mitigada, mas só saberemos o resultado na prática, com demonstrações diárias. A gente vai precisar muito das instituições e das plataformas, que são empresas privadas e que não necessariamente têm o dever ético de combater o mal.
As plataformas estão fazendo o que é possível?
Está muito aquém. Elas podem fazer mais. Por exemplo: a questão do encaminhamento das mensagens no WhatsApp. Já tem um estudo mostrando que o impacto foi reduzido, mas poderia ser ainda mais. Humanamente, é impossível de enviar mais de 20 mensagens por segundo. O WhatsApp consegue quantificar isso. Se ele detecta uma conta mandando mil mensagens por segundo, poderia criar um tipo de rótulo ou banir a conta, mas não faz isso. O Twitter, por exemplo, demora muito a reagir. Tivemos o caso da extremista Sara Giromini expondo dados da menina estuprada que fez aborto. Isso não é só um rompimento da lei, mas uma quebra das regras do Twitter. Se eles não estão executando nem as próprias regras, imagina as regras externas.
Discurso de ódio, racismo e homofobia não fazem parte de liberdade de expressão. E fake news também não.
Muita gente, em especial apoiadores do presidente Bolsonaro, apontam risco de censura. Qual é a sua avaliação?
Não é censura. A única entidade que pode censurar é o Estado. A empresa privada tem o direito de retirar o conteúdo. O pessoal esquece que o Twitter não é uma praça pública. Engraçado que esse é o mesmo pessoal que pede Estado mínimo e empresas privadas em nível máximo. Discurso de ódio, racismo e homofobia não fazem parte de liberdade de expressão. E fake news também não.
Como não cair em armadilhas e acabar compartilhando desinformação?
Cada vez mais o trabalho da imprensa tradicional é importante. Se a notícia não é de um site tradicional, eu já fico desconfiado. A dica é entrar no link, ver a estética do site. Se é fake, geralmente é capenga e tem muitos erros de português. Em caso de dúvida, jogue no Google o assunto do texto. Se não está em outro meio, espere um pouco. É importante ter a validação em diversos meios. Sei que é cansativo, mas, infelizmente, a gente tem de virar checadores também. Tendemos a ir com muita sede ao pote na informação fast food, mas não fazemos o mesmo com a informação salada gourmet, porque é cara, difícil de acessar. Isso também é um desafio para o jornalismo de qualidade.