Ao negociar acordo com autoridades da Lava-Jato, a Odebrecht se comprometeu a pagar por anos uma remuneração mensal indenizatória a seus ex-executivos delatores que varia de R$ 15 mil a R$ 134 mil. Agora, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva usa esse compromisso entre empresa e empregados para questionar a credibilidade das declarações feitas por eles em processos da operação.
Uma planilha detalhando esses "salários" foi anexada pela defesa do petista no último de seus processos em Curitiba, que trata da compra pela empreiteira de um terreno para o Instituto Lula em São Paulo. Em petição, a defesa do ex-presidente pediu ao juiz responsável, Luiz Bonat, novas diligências na ação penal, que já estava pronta para ser sentenciada na primeira instância. O pedido, feito em maio, ainda não foi respondido.
Procurada pela reportagem, a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba disse que os pagamentos a delatores por empresas estão em discussão em um órgão da Procuradoria-Geral da República e que ainda não há uma definição a respeito.
A remuneração a executivos depois que eles admitiram irregularidades também ocorreu em outras grandes empresas que fizeram acordos nos últimos anos, como a Andrade Gutierrez e a CCR. A planilha das remunerações da Odebrecht tinha sido extraída de um processo judicial em São Paulo no qual a empreiteira tenta anular um acordo firmado em 2017 com o ex-presidente do grupo Marcelo Odebrecht que previa o pagamento de "honorários complementares".
A tabela anexada mostra, por exemplo, que o ex-executivo Alexandrino Alencar, tido como elo entre a empreiteira e o ex-presidente, tem acordo para receber R$ 92 mil mensais por um período de nove anos, a partir de 2017. Hilberto Silva, ex-chefe do chamado "departamento da propina" da construtora, tem remuneração mensal de R$ 106 mil por um prazo de oito anos e meio.
Em relação a Emílio Odebrecht, patriarca e também delator, consta quantia mensal maior, de R$ 115 mil, por um período de 48 meses. A maior parte deles recebe quantias ao mês acima de R$ 60 mil.
A tabela também aponta o pagamento de multas impostas aos 78 delatores da empresa pelas autoridades que firmaram os acordos de delação. A soma atinge, segundo o documento, R$ 521 milhões. Um anexo, assinado em abril de 2018, fala no compromisso de cobrir "todos os gastos advocatícios dos colaboradores relacionados aos desdobramentos no Brasil ou no exterior por conta de seus acordos de colaboração". Dos 78 delatores, 26 foram autorizados a permanecer trabalhando no conglomerado empresarial.
A defesa de Lula aproveita esses detalhes dos documentos para fazer uma série de críticas à voluntariedade da colaboração desses delatores, fator primordial para a regularidade de um acordo desse tipo. Para os advogados do ex-presidente, a empresa precisava à época da colaboração de seus funcionários para garantir sua sobrevivência financeira e, por isso, ofereceu benefícios a eles para a adesão. Acusam o grupo de promover uma "calibragem de delações".
"Todos aqueles que fecharam acordos de delações sob a coordenação da Odebrecht — que ditava os respectivos conteúdos — foram regiamente remunerados. A empresa ditava o que deveria ser dito por cada colaborador e, uma vez feito o pacto, passava a pagá-los", diz petição assinada pelo advogado Cristiano Zanin Martins.
O pedido da defesa de Lula, protocolado em maio, ainda não foi respondido pelo magistrado Bonat, que substituiu o ex-juiz Sergio Moro em Curitiba.
Na petição, os advogados do petista também citam o caso de Marcelo Odebrecht, hoje em litígio com o grupo empresarial. A empreiteira diz ter sido pressionada a fazer os pagamentos a ele para garantir o fechamento do acordo, em 2016, o que o empresário tem negado.
"Curiosamente o grupo empresarial que outrora comprou em atacado a colaboração de seus executivos, hoje questiona na justiça uma das compras."
No processo do terreno do Instituto Lula, há outro delator da Odebrecht que é réu, o ex-executivo Paulo Melo. A defesa do ex-presidente aponta que 10 dos delatores foram testemunhas nessa ação. Nesse processo, Lula é acusado de receber propina da Odebrecht por meio da compra de um terreno para seu instituto e de se beneficiar de dinheiro da empreiteira na aquisição do apartamento vizinho ao que morava, em São Bernardo do Campo (SP).
Outro lado
Os procuradores da Lava-Jato em Curitiba disseram à reportagem, a respeito da remuneração de delatores, que não interferiram em uma "questão interna da empresa" no processo de delação. Mas afirmaram ter feito questionamento sobre o tema em 2019 à 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), que ainda analisa esse tipo de situação. Esse órgão, diz, instaurou procedimento acerca do assunto, que tem sido estudado "ao longo dos últimos meses" e está pendente de resposta.
A força-tarefa também ressaltou que os acordos de colaboração firmados preveem a obrigação dos delatores de dizer a verdade, sob pena de rescisão e perda dos benefícios concedidos. Disse ainda que os depoimentos deles só servem para embasar uma denúncia ou condenação quando há suficiente prova de corroboração.
No processo de Lula, diz a força-tarefa, a denúncia "está embasada em farta prova dos crimes, muito para além da palavra de colaboradores, que inclui, por exemplo, rastreamentos financeiros".
Procurada pela reportagem, a Odebrecht afirmou que a colaboração de executivos e ex-executivos foi feita de forma voluntária, "com assessoramento de advogados externos individualmente escolhidos por cada colaborador, e com depoimentos prestados diretamente ao Ministério Público".
"A colaboração da Odebrecht é eficaz, ampla, contínua e baseada em farta prova de corroboração, permitindo a celebração dos acordos de leniência da empresa e contribuindo para o combate à corrupção no Brasil e em outros países", disse a empresa.