O ex-presidente Lula criticou em reunião do PT nesta segunda-feira (1º) os manifestos suprapartidários em defesa da democracia surgidos nos últimos dias, sob o argumento de que os documentos articulados pela sociedade civil desconsideram os direitos dos trabalhadores.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, as iniciativas buscam recriar o clima das Diretas Já e uniram adversários ideológicos diante dos ataques do presidente Jair Bolsonaro a instituições e à Constituição. A principal mobilização da atual leva é o Movimento Estamos Juntos, mas pelo menos outros seis grupos estão se consolidando nesse cenário.
Lula defendeu que o partido analise as iniciativas antes de tomar qualquer decisão e as relacionou a um projeto da elite brasileira — embora parte dos manifestos venha se organizando por meio da internet, com a possibilidade de qualquer cidadão aderir.
— Li os manifestos e acho que tem pouca coisa de interesse da classe trabalhadora. Não se fala em classe trabalhadora, nos direitos perdidos — afirmou.
Para ele, os textos só falam genericamente no que chamou de corte recente de direitos. O ex-presidente se disse incomodado com a presença, nas listas, de nomes de pessoas que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e que, na visão do petista, abriram caminho para a eleição de Bolsonaro. Em diversos momentos, ele reivindicou protagonismo para o partido.
— Sinceramente, eu não tenho mais idade para ser "maria vai com as outras". O PT já tem história neste país, já tem administração exemplar neste país. Eu, sinceramente, não tenho condições de assinar determinados documentos com determinadas pessoas — afirmou Lula.
Na fala, transmitida em redes sociais, o ex-presidente disse ter lido os manifestos do Estamos Juntos (inicialmente assinado por artistas e intelectuais) e do Basta! (organizado por advogados e outros representantes do universo jurídico).
Alguns dos manifestos, segundo Lula, são "feitos com boas intenções" e contam com "gente muito boa assinando", mas também há "aqueles que estão fugindo do barco" — que apoiaram Bolsonaro e agora querem se desvencilhar dele.
— Nós precisamos apoiar qualquer manifesto que for para resolver o problema do Brasil, (mas) não podemos ser levados pela euforia — acrescentou Lula, afirmando que a sigla não pode se deixar ser usada por pessoas que são contra Bolsonaro, mas apoiam a política econômica do ministro Paulo Guedes:
— (Tem) muita gente de bem que assinou. E tem muita gente que é responsável pelo Bolsonaro. O PT tem que discutir com muita profundidade, para a gente não entrar numa coisa em que outra vez a elite sai por cima da carne seca, e o povo trabalhador não sai na fotografia.
O petista disse não ter certeza se o objetivo das mobilizações é tirar Bolsonaro, "porque o que interessa para a elite brasileira é a política de desmonte do Guedes. Eles estão tentando reeducar o Bolsonaro, mas não querem reeducar o Guedes".
Após as justificativas, Lula defendeu que o PT tome "muito cuidado" diante das iniciativas:
— Para a gente não pegar o primeiro ônibus que está passando. É preciso que a gente analise todos esses manifestos e que conversemos com os organizadores para saber o que eles querem.
Na opinião dele, "há um interesse muito grande da elite brasileira em voltar a governar o país sem o PT".
— As pessoas acabaram de cometer um ato ilícito, tirando uma presidente democraticamente eleita pelo povo, e aí perceberam que o troglodita que eles elegeram não deu certo. Eles agora querem tentar tirar o troglodita para quê? — afirmou.
— Até o Fernando Henrique Cardoso, que é um dos ajudaram a derrubar a Dilma, porque se acovardou, (assinou) — continuou o petista, citando a adesão do tucano ao Estamos Juntos — Eu não posso aceitar com muita facilidade aquilo que as pessoas que ajudaram a destruir o país estão querendo fazer — disse, sem citar nomes.
PT deve "agradecer" manifestações contra Bolsonaro, mas propagar as suas ideias
Lula falou aos colegas de legenda que o PT deve "agradecer a todos os brasileiros e brasileiras de todos os pensamentos ideológicos que foram para a rua protestar contra o Bolsonaro", mas não pode abrir mão de propagar suas ideias e reafirmar a defesa dos trabalhadores.
— O PT não é uma coisa qualquer que pode ser menosprezada. Eu vejo uma tentativa muito grande de isolar o PT, de fazer com que o PT desapareça do cenário político — insistiu — Eu acho que todos esses manifestos têm uma importância para a sociedade e para a democracia, mas é preciso que o PT defina qual é o manifesto que interessa para o PT, qual é a linguagem que interessa para o PT — discursou.
O ex-presidente disse ainda aos colegas de legenda que o partido precisa ter clareza de qual discurso apresentar à sociedade e que não pode "se deixar levar outra vez pela elite brasileira".
— Eu só quero dizer para o PT o seguinte: o PT não tem idade para outra vez entrar enganado numa disputa. Nós sabemos por que queremos o impeachment do Bolsonaro: porque nós queremos que este país seja governado para os interesses dos trabalhadores brasileiros — afirmou.