Com a popularidade em queda, isolado no Congresso e em litígio com o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro começa a trocar a fotografia do governo em busca de estabilidade política. Se antes a Esplanada era dividida entre os núcleos militar, ideológico e liberal, agora uma nova ala começa a compartilhar espaços nos ministérios: o centrão. O bloco fisiológico garante blindagem ao presidente, mas coloca sob ameaça da agenda liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Aliados de todos os governos desde a redemocratização, o centrão já está ocupando cargos de segundo e terceiro escalões, mas cobiça pastas inteiras e orçamentos vultosos. Em troca, promete barrar os sete pedidos de CPIs e os 32 de impeachment apresentados na Câmara. Com a chegada do grupo, o Planalto turbinou a presença de militares em cargos-chave. A ocupação verde-oliva serve a dois propósitos: tenta evitar a eclosão de escândalos de corrupção e reforça a imagem de que Bolsonaro tem apoio irrestrito das Forças Armadas.
A companhia dos militares não incomoda o centrão e a recíproca é verdadeira. Com 200 deputados, o bloco atua coeso e fornece ao governo uma base parlamentar robusta, algo que tranquiliza os generais de terno que despacham no Planalto. Na Câmara, seus líderes já agem abertamente, conduzindo a pauta legislativa palaciana.
— Eles (parlamentares do centrão) têm demonstrado uma fidelidade canina. São inclusive, mais fiéis do que era o PSL antes da crise que resultou na saída de Bolsonaro do partido – afirma o cientista político Antônio Augusto Queiroz.
Todavia, a coalizão é movida pelo orçamento. Com o centrão ocupando cargos estratégicos na Esplanada, perde força a política de austeridade fiscal preconizada por Guedes e a ala liberal que compõe a equipe econômica. Um dos principais interlocutores do bloco é o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Desafeto de Guedes, Marinho foi o autor do Pró-Brasil, um plano de investimentos públicos em obras de infraestrutura concebido com o objetivo de incentivar a retomada da economia.
Logo apelidado de PAC 3 e Plano Marshall, a iniciativa foi encampada pelo núcleo militar e chegou a ser anunciada com pompa pela ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Neto. A solenidade causou calafrios na equipe de Guedes. O ministro reclamou com Bolsonaro, que engavetou a proposta. O centrão, porém, não esconde o apreço pela criação de um pacote generoso de obras públicas.
O bloco também deseja aprimorar as políticas assistenciais do governo. A ideia é bem vista por Bolsonaro, que vê no eleitorado de baixa renda uma base popular capaz de mitigar a perda de parte dos simpatizantes de classe média e alta insatisfeitos com os desacertos do governo no enfrentamento da pandemia.
Para esse público, Guedes acenou com a prorrogação por mais dois meses do auxílio federal de R$ 600, porém com valor reduzido para R$ 200. Expoentes do centrão, porém, falam em manter os R$ 600 e até em tornar permanente o benefício emergencial.
— O centrão age assim. É muito leal no início, até conseguir entrar no governo. Depois, começa a apoiar pautas-bomba em troca de mais cargos e verbas. Com eles, não existe agenda fiscalista. O governo vai ter de gastar — comenta Queiroz.
Outra pauta indigesta ao bloco é a privatização. Com pelo menos 17 estatais na lista de vendas para 2020, o secretário especial de Desestatização, Salim Mattar, é um dos mais incomodados com a letargia de alguns ministérios em se desfazer das empresas públicas. A chegada do centrão à Esplanada irá dificultar ainda mais o avanço das vendas. Além das estatais, o grupo mira sobretudo em fundações, autarquias e secretarias. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), loteado entre PL e PP, gerencia R$ 54 bilhões anuais. O próximo alvo é o Departamento Nacional e Infraestrutura Terrestres (Dnit), responsável por obras em estradas e que já gastou R$ 3 bilhões de janeiro a abril. Com poder sobre concessões de rádio e TV, o Ministério da Ciência e Tecnologia desperta a cobiça do PSD e da ala evangélica do centrão. Aliados informais do governo, como o Novo, temem retrocessos.
— É importante você ter uma base no Congresso e também gente no governo que tenha influência no parlamento. Mas essa aproximação com o centrão é uma ameaça enorme à agenda do Paulo Guedes. E a depender de para quem são entregues os cargos, já se conhece a história. É muito difícil a gente achar que será diferente dessa vez — pontua o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS).
Nas mãos do centrão
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs)
- Orçamento: R$ 1,09 bilhão
- Indicado: Fernando Marcondes de Araújo Leão (Avante), para a diretoria-geral
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)
- Orçamento: R$ 54 bilhões
- Indicados: Marcelo Lopes (PP), para a presidência, e Garigham Amarante Ponto (PL), para a Diretoria de Ações Educacionais
Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU)
- Orçamento: R$ 1,1 bilhão
- Indicado: Carlos da Silva Filho (PSC), para a Superintendência de Trens Urbanos do Recife
Ministério do Desenvolvimento Regional
- Orçamento: R$ 17,7 bilhões
- Indicado: Tiago Pontes Queiroz (Republicanos), para a Secretaria Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional
Itaipu Binacional
- Orçamento: R$ 3,7 bilhões
- Indicados: Carlos Marun (MDB) e José Carlos Aleluia (DEM), ambos para o Conselho de Administração
Na mira do centrão
Banco do Nordeste
- Orçamento: R$ 29 bilhões
Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf)
- Orçamento: R$ 1,62 bilhão
Fundação Nacional de Saúde (Funasa)
- Orçamento: R$ 3,1 bilhões
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit)
- Orçamento: R$ 8,4 bilhões
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)
- Orçamento: R$ 3,5 bilhões
A correlação de forças na Câmara
Centrão: 200 deputados
- PP: 39
- PL: 39
- PSD: 36
- Republicanos: 32
- Solidariedade: 14
- PTB: 12
- Podemos: 11
- Pros: 10
- Avante: 7
Oposição: 131 deputados
- PT: 53
- PSB: 31
- PDT: 28
- PSOL: 10
- PCdoB: 8
- Rede: 1
Grupo de Rodrigo Maia: 106 deputados
- MDB: 35
- PSDB: 31
- DEM: 28
- Cidadania: 08
- PV: 4
Governo: 68 deputados
- PSL : 53 (partido está dividido por brigas internas)
- PSC: 9
- Patriota: 6
Independentes: 8 deputados
- Novo: 8