O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, publicou nesta segunda-feira (20) um comunicado oficial no qual afirma que as Forças Armadas trabalham com o propósito de "manter a paz e a estabilidade do país", obedecendo a "Constituição Federal". O documento foi divulgado após integrantes do Legislativo e do Judiciário terem pressionado o Palácio do Planalto a se posicionar sobre a participação do presidente Jair Bolsonaro, no domingo (19), em manifestação que defendeu uma intervenção militar no país.
"As Forças Armadas trabalham com o propósito de manter a paz e a estabilidade do país, sempre obedientes à Constituição Federal. O momento que se apresenta exige entendimento e esforço de todos os brasileiros", ressaltou o comunicado.
Mais cedo, o ministro participou de teleconferência com os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica. Nesta segunda (20), a cúpula militar convenceu o presidente a modular o tom. Ele disse, na entrada do Palácio da Alvorada, que defende a democracia e a liberdade "acima de tudo".
— O pessoal geralmente conspira para chegar ao poder. Eu já estou no poder. Eu já sou o presidente da República — disse Bolsonaro, que, em outro momento, afirmou: "Eu sou, realmente, a Constituição".
Participação em manifestações
No domingo (19), em cima da caçamba de uma caminhonete, diante do quartel-general do Exército e se dirigindo a uma aglomeração de apoiadores pró-intervenção militar no Brasil, Bolsonaro afirmou que "acabou a época da patifaria" e gritou palavras de ordem como "agora é o povo no poder" e "não queremos negociar nada".
— Nós não queremos negociar nada. Nós queremos ação pelo Brasil. Chega da velha política. Agora é Brasil acima de tudo e Deus acima de todos — declarou o presidente, que participou pelo segundo dia seguido de manifestação em Brasília, provocando aglomerações em meio à pandemia do coronavírus.
Já nesta segunda (20), o presidente procurou mudar o tom.
— Peguem o meu discurso. Não falei nada contra qualquer outro Poder. Muito pelo contrário. Queremos voltar ao trabalho, o povo quer isso. Estavam lá saudando o Exército brasileiro. É isso, mais nada. Fora isso é invencionice, tentativa de incendiar a nação que ainda está dentro da normalidade — disse Bolsonaro nesta manhã.
Bolsonaro se mostrou bastante incomodado com as críticas que recebeu por ter participado de ato de apoiadores pró-intervenção militar, com faixas com pedidos de golpe, gritos contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) e pressão pelo fim do isolamento social recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) contra a pandemia.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou ao STF a abertura de inquérito para investigar manifestações do último domingo (19). O objetivo de Aras é apurar possível violação da Lei de Segurança Nacional por "atos contra o regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais, o que justifica a competência do STF".
— O Estado brasileiro admite única ideologia que é a do regime da democracia participativa. Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional — afirmou o procurador-geral.
A fala de Bolsonaro e sua participação no ato de domingo em Brasília, no Dia do Exército, provocou outras fortes reações no mundo jurídico e político. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, afirmou que não há solução para o país fora da democracia. A declaração de Toffoli ocorreu em reunião em que recebeu o texto do "Pacto pela vida e pelo Brasil" de entidades como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
— As seis entidades têm no DNA o conhecimento do quão nefasto é o autoritarismo, do quão nefastos são os fundamentalismo, do quão nefasto é o ataque às instituições e à democracia. Neste momento é bom sempre relembrar a importância que essas seis instituições tiveram na redemocratização do país — disse.
Um dia antes, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ser uma "crueldade imperdoável" pregar uma ruptura democrática em meio às mortes da pandemia da covid-19.
"O mundo inteiro está unido contra o coronavírus. No Brasil, temos de lutar contra o corona e o vírus do autoritarismo. É mais trabalhoso, mas venceremos", escreveu Maia. "Em nome da Câmara dos Deputados, repudio todo e qualquer ato que defenda a ditadura, atentando contra a Constituição."
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse ser "lamentável" que o presidente "apoie um ato antidemocrático, que afronta a democracia e exalta o AI-5". O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) também chamou de "lamentável" a participação de Bolsonaro.
— É hora de união ao redor da Constituição contra toda ameaça à democracia.
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), afirmou que "democracia não é o que presidente Bolsonaro pratica".
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, disse que "só pode desejar intervenção militar quem perdeu a fé no futuro e sonha com um passado que nunca houve". Gilmar Mendes, também do STF, disse que "invocar o AI-5 e a volta da ditadura é rasgar o compromisso com a Constituição e com a ordem democrática".
O presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, disse que "a sorte da democracia brasileira está lançada" e que esta é a "hora dos democratas se unirem, superando dificuldades e divergências, em nome do bem maior chamado liberdade".