Quando o Congresso retomou as atividades, em fevereiro, a queda do investimento estrangeiro e a estagnação da economia tornavam urgente a votação das reformas tributária e administrativa. O país ainda pulava Carnaval, contudo, quando surgiu o primeiro caso local de covid-19. Desde então, a doença se alastrou de Norte a Sul e todo o calendário político e econômico passou a girar em torno da emergência sanitária. As reformas, agora, só devem ser apreciadas em 2021.
O governo ainda tentou insistir no debate. Embora as propostas do Planalto sobre os dois temas nem sequer tivessem sido enviadas ao Congresso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, dizia no início de março que uma eventual crise econômica global seria remediada no país pelas mudanças sugeridas na matriz tributária, na carreira dos servidores e com a redistribuição dos recursos federais.
— A maior resposta à crise são as reformas. Vamos mandar a administrativa, o pacto federativo já está lá, vamos mandar a tributária e seguir nosso trabalho. O Brasil tem dinâmica própria de crescimento — disse em 9 de março.
Dois dias depois, Câmara e Senado diminuíram as atividades por causa da proliferação do coronavírus. Na semana seguinte, as votações começaram a ocorrer de forma remota, e a pauta passou a girar somente em função de medidas de enfrentamento aos danos causados pela doença.
— Mudou completamente a agenda do país. Agora o foco é o combate ao coronavírus, com base num tripé: saúde, economia e proteção social. Depois dessa travessia, aí sim podemos retomar as reformas — avalia o deputado Efraim Filho (DEM-PB)
Com o Congresso esvaziado, deputados e senadores têm discutido os temas mais urgentes por videoconferência. O isolamento impõe uma rígida e rara objetividade às reuniões virtuais, o que limita o escopo de discussão parlamentar e também a ordem do dia. Nessa sexta-feira (3), a previsão era votar a PEC do Orçamento de Guerra, que separa recursos para o governo financiar ações contra a pandemia.
Com isso, ficou para a próxima semana a apreciação do Plano Mansueto, assim batizado por ter sido criado pelo secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. Uma das raras propostas da pauta pré-covid que não perdeu a urgência, o plano foi concebido para socorrer Estados que enfrentam crise fiscal menos grave, como Goiás e Distrito Federal. Aos Estados em pior situação financeira, como o Rio Grande do Sul e Minas Gerais, a alternativa continua sendo o Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
Todavia, a atual situação de calamidade pública provocou mudanças no texto original. O relatório do deputado Pedro Paulo (MDB-RJ) amplia para até 10 anos o período de adesão ao RRF e alonga dívidas com o Tesouro Nacional e instituições financeiras. Já a PEC do Pacto Federativo, que alterava a forma de distribuição dos recursos federais entre Estados e municípios, inclusive com flexibilização das exigências mínimas de gastos com saúde e educação, por exemplo, está completamento fora do debate por enquanto.
— Antes, o governo perdeu tempo. Agora, perdeu o controle. Antes de outubro é muito difícil esses temas serem apreciados. Lá para novembro, dezembro, é mais provável a retomada das reformas, mas desde que haja comprometimento do Executivo – analisa o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS).
Mesmo à distância, um sentimento começar a ganhar corpo entre os parlamentares: o objetivo inicial das reformas terá de ser rediscutido. Com o aumento dos gastos públicos e a queda na arrecadação, uma redução da carga tributária torna-se praticamente impossível. As mudanças devem se restringir à simplificação e desburocratização do sistema de impostos. Na reforma administrativa, as novas regras tampouco devem afetar quem já é servidor público, valendo apenas para os novos concursados.
— Acabou um pouco esse debate entre esquerda e direita sobre tamanho do Estado. Todos estamos vendo o quanto o Estado é necessário — diz Goergen.
— O país nunca viveu uma crise como essa, e agora a resposta tem de vir pelo investimento público e não pelo corte. Não adianta pensar em redução de salário ou corte de impostos — faz coro Efraim Filho.
Segundo o economista Luiz Fernando de Paula, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), as reformas não têm efeito de curto prazo e o governo demorou para reagir à crise causada pela pandemia. A urgência, agora, seria amenizar os reflexos econômicos, sobretudo sobre os trabalhadores informais.
— Antes o debate era todo em torno da rapidez com que as reformas deveriam ser aprovadas. Agora o debate é sobre quem vai pagar a conta. Talvez tenha chegado a hora de taxar dividendos, grandes fortunas, pois até aqui quem mais sentem os efeitos são os pobres e os 41% que estão na informalidade — comenta.
As pautas
Pacto federativo
Mudanças: cria novas regras para redistribuição dos recursos entre Estados e municípios e flexibiliza gastos mínimos com saúde e educação.
Status: adiado
Reforma tributária
Mudanças: unifica impostos, simplifica cobranças, desburocratiza procedimentos e prevê redução da carga tributária
Status: adiada
Reforma administrativa
Mudanças: extingue cargos e carreiras obsoletas, reduz vantagens, unifica regras para avanços e promoções
Status: adiada
Plano Mansueto
Mudanças: cria medidas de socorro a Estados em crise financeira menos aguda e muda regras do Regime de Recuperação Fiscal da União
Status: deve ser votado na próxima semana
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