As acusações do ex-ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) tiveram repercussão jurídica horas após serem disparadas em pronunciamento na manhã desta-sexta-feira. Augusto Aras, procurador-geral da República, solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um inquérito para apurar os fatos narrados — ao fazer isso, elencou oito crimes eventualmente cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro.
Especialistas consultados por GaúchaZH, além de citarem delito de falsidade ideológica como Aras, analisam que o chefe do Executivo também pode responder por crimes de responsabilidade caso as acusações de Moro sejam comprovadas.
O ato mais grave seria a suposta interferência política do presidente na Polícia Federal (PF). Advogados analisam, contudo, que pode ser difícil caracterizar a materialidade dos atos. Ou seja, se Bolsonaro apenas teve a intenção de ingerência no órgão ou se, de fato, agiu nesse sentido.
As principais acusações de Moro e a análise de especialistas
"Fiquei sabendo pelo Diário Oficial, não assinei esse decreto (de exoneração de Maurício Valeixo do comando da PF. A assinatura eletrônica de Moro estava no documento)."
André Luís Callegari, advogado criminalista
Para o advogado, ainda não estão claras as circunstâncias da inclusão da assinatura eletrônica do ex-ministro. Por isso, afirma ser necessário investigá-la. Se comprovada que a rubrica de Moro foi incluída sem seu respaldo e com conhecimento de Bolsonaro, o presidente pode ser responsabilizado pelo crime de falsidade ideológica.
Lúcio de Constantino, advogado criminalista
Aponta que a assinatura pode ter sido publicada por um descuido interno, uma vez que as rubricas digitais se dão pelo uso de senhas que, muitas vezes, são usadas por assessores. Porém, se o nome de Moro foi colocado de maneira ilícita, há o crime de falsidade ideológica ou de falsidade documental.
Michael Mohallem, professor da FGV Direito Rio
Observa que, na hipótese de o presidente ter determinado a inclusão da assinatura do ex-ministro sem sua autorização, há espaço para Bolsonaro ser investigado por quebra de decoro, previsto na Lei do Impeachment, ou pelo crime comum de falsidade ideológica.
Vera Chemim, advogada constitucionalista
Concorda que o presidente pode ser responsabilizado pelo crime de falsidade ideológica, previsto no Código Penal, se confirmada a assinatura de Moro sem seu aval.
Falei que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo.” (...) “O presidente me disse, mais de uma vez, expressamente, que queria uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência.
André Luís Callegari, advogado criminalista
Analisa que a interferência do presidente em inquéritos em andamento, inclusive no Supremo Tribunal Federal e contra seus filhos, poderia ser enquadrada como obstrução de Justiça. Contudo, destaca a dificuldade de identificar a materialidade do fato. Segundo ele, se o presidente apenas anunciou sua pretensão de interferir nas investigações, mas não chegou a efetuá-la, seria difícil configurar o crime.
Lúcio de Constantino, advogado criminalista
Acredita que, se o presidente pretendia entrar em contato com a PF para colher informações privilegiadas, vários delitos podem ser elencados. Entre eles, os crimes de constrangimento ilegal e de prevaricação (quando um agente público pratica ato visando satisfazer seu interesse pessoal). Aponta ainda a possibilidade de Bolsonaro ser investigado por violação de sigilo, caso acessasse informações protegidas em inquéritos. Também indica o delito de improbidade administrativa, destacando a necessidade de apurar se ele cometeu os atos ou apenas "se preparou" para isso.
Michael Mohallem, professor da FGV Direito Rio
Afirma que, se comprovado que o presidente anunciou a intenção de colher informações que possam lhe beneficiar pessoalmente – como, por exemplo, nas investigações envolvendo seus filhos –, estaria configurado um "claro" conflito de interesses. Nesse caso, Bolsonaro estaria usando a administração pública para fins pessoais. Avalia que a discussão jurídica se dará em torno da hipótese de o presidente ter interferido de fato em inquéritos da PF, uma vez que o crime de "tentativa de interferência" não existe. Acrescenta, no entanto, que pode-se argumentar que a demissão de Valeixo já se caracteriza uma primeira investida nesse sentido.
Vera Chemim, advogada constitucionalista
Indica que Bolsonaro pode ser investigado pelo crime de responsabilidade, previsto na Lei do Impeachment. De acordo com Vera, o presidente poderia ser responsabilizado por agir em contrariedade às prerrogativas de legalidade, impessoalidade e moralidade previstas na Constituição. Há ainda outros pontos de sua investida que poderiam ser enquadrados na mesma lei, como a conduta de modo incompatível com a honra e o decoro do cargo que ocupa.