Médicos ouvidos pelo The Guardian temem que o presidente Jair Bolsonaro esteja acelerando o país rumo a uma devastadora crise de saúde pública por minimizar as medidas de distanciamento social, recomendadas por autoridades de saúde da grande maioria dos países. O jornal inglês lembra que ele é um dos quatro líderes mundiais que ainda subestima a ameaça do vírus: os outros são os presidentes de Nicarágua, Bielorrússia e Turquemenistão.
Em uma excursão durante a Páscoa, ao ignorar as recomendações de distanciamento de seu próprio ministério da saúde, Bolsonaro foi filmado limpando o nariz com o pulso antes de apertar a mão de uma senhora idosa.
— Ninguém impedirá meu direito de ir e vir — chegou a dizer.
Para alguns especialistas em saúde pública e doenças infecciosas, esse comportamento está corroendo as únicas medidas existentes no Brasil — que sofreu mais de mil mortes por covid-19 — e encaminhando o país para uma calamidade na saúde.
— É como se todos estivessem no mesmo trem em direção a uma beira do penhasco e alguém dissesse: "Cuidado! Há um penhasco!". E os passageiros gritam: "Não, não existe!". E o maquinista diz: "Sim, não há nada!". Minha tristeza decorre de ver mortes evitáveis que não vamos evitar — disse Ivan França Junior, epidemiologista da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
Marcos Lago, especialista em doenças infecciosas do Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro, disse que a conduta imprudente de Bolsonaro confunde as pessoas com a necessidade de ficar em casa.
— Ele está fazendo uma aposta muito perigosa, afirmando que o Brasil não se comportará como os Estados Unidos, como a Inglaterra, como a Itália. Acho que é uma aposta irresponsável, porque há uma grande chance de uma catástrofe acontecer e a chance de uma não acontecer é muito pequena.
Um terceiro médico, que pediu para não ser identificado, denominou as ações de Bolsonaro como "infantis" e "surreal".
— É loucura. Não há justificativa para esse tipo de comportamento. Você pode justificar o pensamento sobre a comunidade empresarial. É legal tentar encontrar soluções (econômicas para esta crise). O que não é legal é ignorar o que todos principais especialistas em epidemiologia do mundo estão dizendo. As pessoas vão ficar doentes (no Brasil) e, se ficarem doentes ao mesmo tempo, nos encontraremos na mesma situação que a Itália e Wuhan.
Desde meados de março, os governadores de quase todos os 27 Estados do Brasil tentam diminuir a transmissão, ordenando que os cidadãos entrem em recinto fechado. Mas há sinais de que esses esforços estão se desgastando, com um número crescente de pessoas saindo para as ruas.
Entre as explicações possíveis para a queda na adesão ao distanciamento social no Brasil, há consenso de que, ao afastar o distanciamento, Bolsonaro está prejudicando sua implementação.
— Tudo o que ele diz e faz tem um impacto intenso... Muitas pessoas dizem: "O presidente tem 65 anos e ele não tem medo, então por que deveríamos estar?". Todo mundo (em infectologia) pensa o mesmo sobre o presidente: que ele não está indo em uma boa direção — disse Ricardo Sobhie Diaz, especialista em doenças infecciosas da Universidade Federal de São Paulo (USP).
Alberto Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Doenças Infecciosas, disse que, em razão de o coronavírus ter chegado ao Brasil mais tarde do que em outros lugares, tinha a vantagem de aprender com a experiência de outros países — e teve a chance de tomar medidas cruciais como distanciamento.
— Podemos ver que a epidemia está avançando mais devagar. Se está avançando mais devagar, é por causa dessas medidas — disse ele.
Para Chebabo, a postura de Bolsonaro arrisca jogar fora essa vantagem:
— Precisamos de um discurso unificado.
Pesquisas mostram que o presidente ainda conta com o apoio de cerca de 30% dos eleitores, e centenas compareceram em São Paulo no sábado para denunciar o distanciamento social.
Posição do ministro da Saúde
A falta desse discurso unificado foi tópico de entrevista do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ao programa Fantástico na noite deste domingo (12). O titular da pasta afirmou que espera que o governo federal possa ter "uma fala única" em relação ao combate ao coronavírus:
— Porque isso leva o brasileiro a uma dubiedade. Ele não sabe se escuta o ministro, o presidente, quem ele escuta.