Em meio à crise política causada pela pandemia do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, reuniram-se na manhã desta quarta-feira (8) para tentarem se acertar. Auxiliares do presidente e do ministro relatam que o encontro foi tranquilo e tratou da ocupação de leitos hospitalares devido à covid-19.
Pessoas próximas ao presidente disseram que, até o encontro desta manhã, Bolsonaro continuava disposto a exonerar Mandetta.
Além de discordar de seu ministro em relação a questões como o uso da hidroxicloroquina no tratamento de vítimas do coronavírus e a flexibilização do distanciamento social para permitir a reabertura do comércio, o chefe do Executivo não escondia sua irritação com o protagonismo de Mandetta na condução do enfrentamento à crise sanitária.
A reunião, que durou mais de uma hora, foi definida por interlocutores de Bolsonaro como uma DR (discussão da relação) com resultado positivo. Os dois não tinham ainda conversado mais reservadamente, e o presidente indicou a Mandetta que eles precisavam falar a mesma língua, pois, até então, havia muitos recados dados por ambos, além de fofoca, o que acirrou ainda mais os ânimos.
Interlocutores do ministro dizem que ele relatou uma reunião tranquila após encontro com Bolsonaro. Os dois despacharam sobre medidas adotadas em relação ao coronavírus. Entre os temas estava a ocupação de leitos hospitalares devido à doença.
A pasta pretende lançar, nos próximos dias, um painel para acompanhamento em tempo real da ocupação de leitos no país. Estados e municípios serão obrigados a informar a situação de cada local, sob risco de não receberem os repasses de recursos de média e alta complexidade. O painel está em fase final de elaboração.
A ocupação de leitos é um dos critérios indicados pelo Ministério em proposta, lançada nesta semana, de transição para a recomendação de distanciamento social seletivo, focado em idosos e pessoas com doenças crônicas.
A ideia é que o modelo seja aplicado em Estados e municípios cuja quantidade de casos confirmados de coronavírus não tenha causado impacto severo no sistema de saúde — ou seja, em mais de 50% da capacidade instalada de leitos.
Nestes casos, pessoas com idade inferior a 60 anos que não tenham os sintomas podem circular livremente. O objetivo da estratégia é promover o retorno gradual às atividades econômicas.
Já na terça-feira, Mandetta havia adotado um tom mais conciliador, o que foi interpretado por integrantes do Palácio do Planalto como um sinal de busca de alinhamento.
Principal nome do governo federal na condução das políticas de enfrentamento do novo coronavírus, Mandetta tem robusto apoio popular, mas vinha sendo criticado abertamente pelo presidente da República, defensor de medidas menos restritivas e que contrariam a quase totalidade do que é praticado no mundo.
A tensão entre ambos chegou ao ápice na segunda-feira, quando Bolsonaro avaliou demitir o auxiliar, mas recebeu pressão contrária da ala militar do governo, de setores do Congresso e de sua própria base de apoiadores nas redes sociais.
De acordo com relatos de aliados do ministro da Saúde, Mandetta adotou um tom duro na reunião ministerial de segunda, defendendo a sua linha de atuação pautada nos atuais consensos científicos, o que é seguido pela maioria dos países. Depois, o ministro seguiu para o ministério e replicou a fala dura em um pronunciamento à imprensa.
Integrantes da ala militar avaliaram que Mandetta exagerou no tom dessa fala, ocasião em que, mesmo sem se referir diretamente a Bolsonaro, repetiu diversas vezes que iria se pautar exclusivamente pela ciência.
O ministro ainda citou ter lido o "mito da caverna", de Platão, gesto interpretado por aliados de Bolsonaro como uma provocação para que o mandatário se livre das falsas interpretações que teria da realidade. Por isso, esses integrantes do governo pediram ao ministro que ele baixasse o tom.
A solicitação surtiu efeito, na avaliação de aliados de Bolsonaro. Mandetta manteve na entrevista desta terça-feira seu discurso de que a pasta não recomendará a ingestão de cloroquina — medicamento tratado por Bolsonaro como uma solução para a atual pandemia — de maneira ampla para pacientes com coronavírus. Mas afirmou não se opor a que os médicos receitem o remédio se assim acharem adequado.
De todo modo, o ministro ainda afirma que não há estudos o suficiente que comprovam a eficácia do medicamento. Além disso, também informou que o ministério estuda o tratamento com outras nove substâncias.
— Para que possamos assinar que o Ministério da Saúde recomenda que se tome esta medida logo, nós precisamos de um pouco mais de tempo para saber se isso pode se configurar uma coisa boa ou pode ter algum efeito colateral. Não é questão de gostar de A, de B, de C. É simplesmente a gente analisar com um pouco mais de luz.
Diferentemente da véspera, Mandetta enfatizou nesta terça-feira o tom conciliatório.
— Tudo o que estamos precisando agora é união. Tudo que estamos precisando agora é participação de todos, foco. É normal, ninguém consegue numa situação dessas ter um olhar só de um ângulo. No Ministério da Saúde, a gente tem dúvidas — afirmou.
— Às vezes, as pessoas têm opiniões divergentes, é normal que tenham. Acho que é um conjunto de cabeças muito qualificado que pensam juntas e ontem (segunda-feira) fez um exercício coletivo — completou o ministro.
Ainda segundo ele, a hora é de mirar o futuro:
— A gente tem que andar para frente, olhar para frente. Isso é uma experiência que a gente tem que olhar pelo para-brisa, para frente, usar pouco o retrovisor. Vamos tocar este barco nosso, chamado Brasil, juntos.
Além da fala desta terça, integrantes do Planalto viram outros sinais de tentativa de alinhamento.
Na segunda, em meio aos rumores de demissão, a Saúde divulgou um documento com diretrizes para possível flexibilização do isolamento social a partir da próxima segunda-feira, dia 13.
Já dentro do ministério, a divulgação foi vista como uma forma de fixar critérios técnicos e parâmetros diante de uma mudança na condução da pasta — evitando, assim, que uma eventual troca no ministério por um nome alinhado a Bolsonaro levasse a uma flexibilização total e repentina do isolamento e, assim, ao aumento de casos da doença.
Outro gesto foi a decisão, na semana passada, de avalizar a hidroxicloroquina em tratamentos de pacientes graves, não apenas aqueles em estado crítico.
Bolsonaro é um entusiasta do medicamento e quer que ele seja administrado inclusive em estágios menos avançados da doença. Segundo auxiliares, ele pediu a Mandetta uma mudança de rumo na sua resistência à hidroxicloroquina até o final de abril.
A relação entre o ministro da Saúde e o presidente da República vinha num crescente tensionamento há vários dias. Além da divergência sobre a hidroxicloroquina, Bolsonaro já não escondia sua irritação com o auxiliar por defender um isolamento social mais forte que o desejado por ele, que quer reabrir o comércio no Brasil.
No sábado, de acordo com assessores, Bolsonaro ficou contrariado com um vídeo gravado por Mandetta que foi transmitido em apresentações ao vivo pela internet de artistas sertanejos, como a dupla Jorge & Mateus, que reuniu mais de 3 milhões de espectadores.
No dia seguinte, a um grupo de religiosos, Bolsonaro disse que integrantes de seu governo "viraram estrelas" e que a hora deles vai chegar. Em uma ameaça velada de demiti-los, disse não ter "medo de usar a caneta".
Diante da avaliação de que Mandetta não se dobrará a medidas extremas de Bolsonaro, sua permanência na pasta segue incerta. Segundo pesquisa do Datafolha, o Ministério da Saúde tem aprovação positiva por parte de 76% da população, mais que o dobro da do presidente (33%).
Deputados do DEM reuniram-se na segunda por videoconferência e traçaram uma estratégia de reunir todos os prefeitos e governadores da sigla, além dos parlamentares, para um pronunciamento conjunto caso o ministro fosse mesmo demitido.
Somou-se a isso a pressão do Legislativo. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), falou ao menos com três ministros — Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Onyx Lorenzoni (Cidadania), que também é do DEM.
O recado foi o mesmo: se Mandetta fosse exonerado, não apenas o combate ao coronavírus ficaria prejudicado, mas também a relação com o Congresso.