Reiterando o discurso que tem adotado desde o início da crise do coronavírus no Brasil, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, falou, em coletiva na noite de segunda-feira (6), que o trabalho que tem sido feito pela pasta é técnico. Disse e repetiu em diversos momentos que todas as medidas tomadas são embasadas pela ciência.
— Nós procuramos ser a voz da ciência. Procuramos as sociedades de especialidades e o Conselho Federal de Medicina (CFM) para fazer protocolos, adotar drogas e estratégias.
No dia em que sua permanência à frente do Ministério foi fortemente ameaçada pelo presidente, Mandetta e sua equipe apresentaram um documento a Jair Bolsonaro no qual detalharam possíveis cenários para reduzir o isolamento. O assunto é o principal ponto de divergência entre os dois: Bolsonaro defende a retomada das atividades o quanto antes, enquanto o ministro prega o distanciamento social como única solução viável para conter a propagação do inimigo, como ele mesmo classificou.
— A ciência ainda vai achar uma saída mais elegante para esse problema. Por enquanto, o que temos é uma saída muito primitiva, de procurarmos o isolamento frente a uma doença contagiosa que pode sofrer um aumento no número de casos — disse o ministro.
As mudanças no isolamento, reforçou Mandetta, só poderão sair do papel no momento em que o país estiver seguro quanto ao número de equipamentos de proteção individual (EPIs), respiradores e leitos.
— Enquanto não tivermos as condições de mudarmos as recomendações, reforçamos que devem ser seguidas as orientações dos governadores dos Estados. Nós demos alguns parâmetros, eles vão sendo gradativamente incorporados. A sociedade precisa entender que a movimentação social é tudo o que esse vírus que é nosso inimigo quer, essa movimentação vai levar esse vírus para as camadas mais frágeis da nossa sociedade.
Enquanto isso, o ministro classificou o momento como "de cautela e proteção aos idosos e famílias".
— Isso que vocês viveram nas últimas duas semanas não é quarentena e nem lockdown, que são muito mais duros. O show não pode parar, mas a aglomeração precisa parar.
O texto apresentado ao Planalto, detalhou o secretário-executivo, João Gabbardo dos Reis, vai dar aos gestores estaduais e municipais mais respaldo para alterar as medidas adotadas. Segundo ele, situações epidemiológicas diferentes não podem ser tratadas da mesma forma.
— Criamos parâmetros de circulação de vírus e utilização de leitos para que o gestor tome medidas com mais segurança. Para tomarmos essas medidas, precisamos estar seguros do ponto de vista de EPI, leitos de retaguarda e de UTI e de pessoal. Quando essas questões estiverem resolvidas, há possibilidade de darmos tratamento diferenciado para situações diferentes.
Ricardo Kuchenbecker, professor de epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e gerente de Risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, enfatiza que, antes de sairmos do isolamento indiscriminado, é preciso que tenhamos acesso a mais informações sobre as populações que poderão retomar as atividades, isto é, que elas sejam testadas para saber se já foram ou não expostas ao coronavírus.
— Se essas informações não estiverem disponíveis, não teremos segurança — fala.
— Temos diferentes epidemias em diferentes regiões. O que se espera é que, no âmbito das regiões, se possa trabalhar com dados locais. Mas isso requer uma quantidade considerável de informações que esbarram no primeiro problema: temos testes disponíveis para retomar as aulas, por exemplo? Não temos — completa.
Kuchenbecker acredita que dar esse passo requer uma comunicação muito mais alinhada entre municípios, que precisam fazer movimentos conjuntos, considerando a mobilidade da população. Equilibrar essa balança, porém, é o grande desafio.
— Não é simples. Pressupõe que a gente gere e atualize informações de modo a não superdosar o isolamento prolongado para quem mais precisa, mas também que não resulte em um colapso do sistema de saúde.
No mesmo sentido, a doutoranda em economia do desenvolvimento Natália Branco Stein lembra que a grande dificuldade de aliviar o distanciamento é justamente na coordenação dessas restrições.
— É importante pensar no movimento intermunicipal. Alguns setores precisam transportar mercadorias ou mesmo trabalhadores, o que pode impactar no contágio. Então, a economia pode voltar a operar nos moldes definidos pelo Ministério da Saúde, mas com coordenação entre o Estado e municípios, bem como com a iniciativa privada, alinhando essas peculiaridades.
Esperança para a economia
A possível flexibilização do isolamento é vista como um alento, diz Patrícia Palermo, economista chefe da Fecomércio. Para ela, a crise geral que a pandemia provocou teve três momentos. O primeiro foi o da oferta, quando a China deixou de produzir e abastecer determinados segmentos. O segundo, classificado por ela como avassalador, foi o da demanda, em que tudo foi fechado às pressas pela imposição do isolamento social.
— E a crise de hoje é a das expectativas, porque não sabemos o que vai acontecer. Tudo o que se fala é totalmente chute ou esperança. Se começarmos a ter parâmetros para dizer o que vai acontecer se nossa situação for média, se for grave ou se for gravíssima em relação à doença, conseguimos nos localizar — diz.
Para ela, somente a partir do momento em que as pessoas conseguirem se situar em relação ao problema e se sentirem seguras para sair às ruas é que se pode pensar em uma retomada.
— No dia em que se abrirem as portas, não vai ser como se nada tivesse acontecido. Enquanto as pessoas estiverem com medo, não vão agir naturalmente. Dizer a quantas andamos é importante para as pessoas conseguirem se reprogramar — acredita Patrícia.
Muito embora seja positivo, o afrouxamento nas regras de distanciamento não deve recuperar os impactos negativos, avalia Natália.
Importância das vidas salvas
Por outro lado, o professor de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Adalmir Marquetti julga que o momento deve ser de foco total na preservação das vidas. Para ele, afrouxar as medidas de isolamento pode resultar em um aumento significativo no número de doentes e de mortes.
— É infinitamente mais importante salvar vidas. O distanciamento social tem dado resultado. Sou completamente contra a ideia de acabar com o isolamento e com a discussão do custo econômico. O preço de não nos isolarmos vai ser mais alto, porque vai repetir o que acontece na Itália e nos Estados Unidos.
O que diz o texto
A partir da próxima segunda-feira (13), Estados e municípios poderão adotar novas medidas de isolamento social, com foco em apenas alguns grupos específicos, desde que não tenham ultrapassado o percentual de 50% de ocupação dos serviços de saúde após a pandemia. O Ministério da Saúde destaca que as novas regras podem ser adotadas por locais onde há oferta de respiradores, EPIs, leitos, profissionais de saúde e testes diagnósticos.
No boletim especial emitido nesta segunda, a pasta esmiúça os tipos de isolamento que poderão ser adotados. O primeiro é o Distanciamento Social Ampliado, que determina que a sociedade como um todo, sem discriminação de grupos específicos, permaneça em casa para reduzir a velocidade de propagação do vírus, permitindo, assim, que o sistema de saúde se prepare.
O segundo tipo é o Distanciamento Social Seletivo, que deve isolar apenas alguns grupos mais vulneráveis, como idosos e pessoas com doenças crônicas. Com isso, a pasta pretende retomar, gradualmente, as atividades laborais. Para poder determinar esse tipo de isolamento, é preciso que a doença não tenha impactado em mais de 50% a capacidade do sistema de saúde do local.
Por fim, o Ministério cita o bloqueio total, ou lockdown, que ocorre quando há uma grave ameaça ao sistema de saúde. Neste caso, entradas e saídas dos locais são proibidas.