Cada vez mais politicamente isolado o e com a popularidade abalada após sucessivos panelaços, o presidente Jair Bolsonaro reagiu às críticas de imobilismo e assumiu a linha de frente da comunicação federal na luta contra a expansão do coronavírus. A cada manifestação, contudo, ele contraria orientações do Ministério da Saúde e ignora conselhos dos assessores ao minimizar os riscos de contágio e subir o tom dos ataques aos governadores.
Esse vírus trouxe uma certa histeria e alguns governadores, no meu entender, eu posso até estar errado, estão tomando medidas que vão prejudicar e muito a nossa economia
JAIS BOLSONARO
Presidente da República
Em reunião virtual com prefeitos de capitais, na manhã deste domingo (22), Bolsonaro voltou a reclamar do que classifica como "alarmismo". Embora o Brasil esteja registrando uma curva de contaminação superior à da Espanha e Itália, o presidente afirmou que comparações com a Europa são indevidas. Enquanto falava por videoconferência com os gestores, o município do Rio de Janeiro registrava aumento de 60% no número casos em relação às 24 horas anteriores.
- Há um alarmismo muito grande por grande parte da mídia. Alguns dizem que estou na contramão. Eu estou naquilo que acho que tem que ser feito. Posso estar errado, mas acho que deve ser tratado dessa maneira - afirmou Bolsonaro.
O tom é semelhante ao adotado nas entrevistas que concedeu nos últimos dias. No sábado, Bolsonaro disse à CNN que medidas restritivas como as impostas em São Paulo e no Rio "extrapolam" os cuidados necessários à tentativa de controle da pandemia. Politizando a discussão, o presidente afirmou que "as eleições de 2022 estão longe", insinuando suposto interesse eleitoral dos governadores Wilson Witzel (RJ) e João Doria (SP), a quem chamou de lunático.
- Medidas que esse governador (Doria) tem tomado, como outros, do Rio de Janeiro, Bahia, Piauí, o próprio DF, são questões no meu entender que extrapolam. É uma dose de remédio excessivo. E remédio em excesso torna-se um veneno. (...) Esses governadores me criticam o tempo todo, dizem que não tenho liderança. Digo a esses governadores: as eleições de 2022 estão muito longe ainda para vocês partirem para esse tipo de ataque - reagiu.
Ainda no sábado, Bolsonaro editou medida provisória estabelecendo competências do governo federal sobre serviços essenciais. O gesto foi uma resposta à ações de Witzel e Doria, sobretudo na proibição de circulação de ônibus interestaduais e intermunicipais. No Rio, Witzel havia suspendido a aterrissagem de aeronaves com origem em qualquer Estado com registro da covid-19, o que na prática inviabilizava manutenção da ponte aérea Rio-São Paulo. Bolsonaro também sustou esse ato, reafirmando a jurisdição federal sobre o espaço aéreo.
O fogo cruzado entre o presidente e os principais governadores do país perdurou durante todo o final de semana. Witzel classificou como "inaceitável" a postura do presidente, reclamando da "falta de diálogo e bom senso". Doria foi além:
Gostaria de ter um presidente que liderasse o país em uma crise como esta.
JOÃO DORIA
Governador de São Paulo
- Jair Bolsonaro chama coronavírus de gripezinha e eu que sou lunático? Lidere seu país, presidente. Faça seu papel. Os governadores do Brasil estão fazendo o seu.
Na noite de sexta-feira, Bolsonaro já havia ignorado as recomendações das autoridades sanitárias do próprio governo federal, ao reclamar da suspensão de missas, cultos e das partidas de futebol. Em entrevista ao Programa do Ratinho, do SBT, disse que a covid-19 é uma "chuva" que "se você botar uma capinha, passa". No dia seguinte, durante comemoração do aniversário de 65 anos, o otimismo presidencial ganhou ares de euforia.
Em vídeo gravado nos jardins do Palácio da Alvorada e exibido em suas redes sociais, Bolsonaro anunciou ter determinado ao laboratório químico e farmacêutico do Exército a ampliação da produção de hidroxicloroquina. Em pesquisas feitas no Brasil e no Exterior, o medicamento vem apresentando resultados iniciais promissores em testes para tratamento contra o coronavírus. Contudo, ainda não há comprovação científica de êxito e especialistas não recomendam seu uso sem prescrição médica.