A atuação na Operação Lava-Jato rendeu ao procurador Deltan Dallagnol 17 procedimentos no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Atualmente, o que está mais adiantado foi distribuído a um relator ligado à Câmara dos Deputados, Otavio Rodrigues, o que é visto como negativo para Dallagnol. Trata-se de uma reclamação do senador Renan Calheiros (MDB-AL) que foi transformada em processo administrativo disciplinar (PAD) em dezembro passado.
Dallagnol responde nesse caso por suposta quebra de decoro por ter publicado, nas redes sociais, mensagens que teriam interferido nas eleições de 2018 e na eleição para a presidência do Senado, realizada em fevereiro de 2019. O procurador defendeu no Twitter a eleição aberta para presidente do Senado, que não estava prevista no regimento interno da Casa, o que, para Renan, atrapalhou sua candidatura.
Apenas um dos 17 procedimentos resultou até agora em punição.
Em novembro passado, por oito votos a três, o plenário aplicou sanção de advertência a Dallagnol por causa de uma entrevista à rádio CBN, na qual ele disse que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) muitas vezes agem em panelinha e passam uma "mensagem muito forte de leniência a favor da corrupção". O relator do processo que gerou punição foi Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, ligado ao Senado. A relatoria de um processo é importante porque, em geral, dita o ritmo do seu andamento.
O CNMP, que fiscaliza a conduta de membros do Ministério Público, é formado por 14 conselheiros. A maioria, oito, é oriunda do Ministério Público, e os seis restantes são indicados pelo Judiciário, pelo Legislativo e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Dallagnol, por meio da assessoria do MPF em Curitiba, afirmou que "é importante prestar contas do trabalho feito e responder a eventuais questionamentos perante o CNMP". "Há questionamentos que são retaliação de investigados, mas não nos intimidamos e seguimos fazendo nosso trabalho", afirmou o procurador em nota à reportagem.
O procedimento mais antigo em tramitação, aberto em 2016 a pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está na pauta de julgamentos desde 2018 esperando para ser votado. O relator do caso é o conselheiro Marcelo Weitzel, do Ministério Público Militar. É um pedido de providências para que o conselho determine que os procuradores da força-tarefa de Curitiba "se abstenham de usar estrutura e recursos do MPF (Ministério Público Federal) para manifestar posicionamentos políticos ou, ainda, jurídicos que não estejam sob atribuição dos mesmos".
O pedido foi na esteira da entrevista coletiva em que Dallagnol fez uma apresentação com PowerPoint contra Lula, em setembro de 2016, o que, para o ex-presidente, teve "o intuito de promover julgamento midiático".
Petistas levaram ao CNMP mais três reclamações que ainda não viraram PAD e estão sob os cuidados do corregedor, Rinaldo Reis Lima. As três tratam das mensagens do aplicativo Telegram obtidas pelo site The Intercept Brasil e divulgadas desde junho de 2019 em parceria com outros veículos.
Uma das reclamações afirma, segundo o PT, que Dallagnol e seu colega Roberson Pozzobon se articularam para obter lucro com palestras pagas e conseguidas com o uso de seus cargos públicos, conforme sugeriram as mensagens.
A segunda, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), sustenta que Dallagnol teria sido contratado e recebido R$ 33 mil para proferir palestra remunerada pela empresa Neoway, cujo representante firmou acordo de delação com o Ministério Público Federal em decorrência das investigações da Lava-Jato.
A terceira, levada ao CNMP pelos deputados Teixeira, Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Paulo Pimenta (PT-RS), diz que as mensagens trocadas no Telegram revelam que Dallagnol e colegas discutiram e/ou adotaram medidas de investigação contra o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, sem terem atribuição legal para isso. Ministros do STF só podem ser investigados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), e não por procuradores que atuam na primeira instância.
Há outras duas reclamações disciplinares de autoria do senador Renan Calheiros além da que já foi transformada em processo disciplinar administrativo, ambas com base nas mensagens obtidas pelo Intercept. Em uma dessas reclamações, o senador emedebista argumenta que Dallagnol realizou diligências investigativas ilegais mirando o ministro do STF Dias Toffoli, hoje presidente do tribunal.
Na outra, Renan, como os petistas, pede a punição do procurador por supostamente ter tentado investigar ilegalmente o ministro Gilmar Mendes, "procurando gerar constrangimentos à Sua Excelência, única e exclusivamente por considerá-lo um 'adversário político'".
A senadora Kátia Abreu (PDT-TO) também busca a punição do coordenador da Lava-Jato no CNMP, por meio de duas reclamações. Em uma, Kátia acusou Dallagnol de não guardar o decoro necessário ao compartilhar, em redes sociais, o link de uma reportagem que continha informações sigilosas de um processo que a atingiria. O plenário do conselho decidiu em dezembro, por oito a quatro, arquivar o caso, mas ainda cabe uma reanálise interna e formalmente o procedimento está em tramitação.
Para que as 13 reclamações virem processos administrativos disciplinares, é preciso que o plenário, por maioria, aprove a instauração de PAD.