Sem sobressaltos, em apenas três dias de votações, o governo Eduardo Leite aprovou a mais abrangente reforma do serviço público estadual desde a redemocratização. Em razão de concessões durante negociações, a economia prevista para os próximos 10 anos deve cair pelo menos 28%. Políticos e especialistas reconhecem o tamanho da mudança, mas divergem na avaliação dos efeitos.
Inicialmente projetada em R$ 26,4 bilhões, a repercussão financeira tende a ficar abaixo de R$ 19 bilhões até 2030, porque muitos projetos foram alterados para garantir aprovação. Na atual gestão, o Estado deixará de gastar cerca de R$ 3 bilhões (o equivalente a duas folhas brutas do Executivo) em decorrência das medidas chanceladas pela Assembleia Legislativa. Os números definitivos ainda estão sendo calculados.
Mesmo que a projeção fique abaixo da esperada, o resultado é considerado positivo por economistas favoráveis a políticas de ajuste fiscal, por ser capaz, a longo prazo, de estancar o crescimento vegetativo dos desembolsos com pessoal. Esses repasses representam 80% das receitas (considerando salários, encargos e previdência) e, até agora, vinham aumentando ano a ano devido a adicionais automáticos, que foram extintos pela reforma.
— Ainda que o governo tenha cedido em alguns pontos, o resultado é significativo. É o que vai garantir, lá na frente, a regularização da folha. Com diálogo e resiliência, Eduardo conseguiu avançar onde outros não conseguiram. A negociação com o magistério foi simbólica. Não se pode levar em conta apenas a questão financeira. A aproximação com os professores, sem vencidos ou vencedores, abriu novas perspectivas, inclusive para propor melhorias na educação — afirma Aod Cunha, secretário da Fazenda no governo Yeda Crusius (PSDB).
A avaliação não é unânime. Odir Tonollier, que ocupou o cargo na administração de Tarso Genro (PT) e tem visão econômica diferente, discorda. Ele teme a precarização do Estado.
— A lógica dessa reforma é gastar menos com o serviço público, que vai acabar precarizado, especialmente na área da educação. Quem diz que isso vai resolver a crise está mentindo. O Estado não vai pagar os servidores em dia tão cedo. A meu ver, a solução passa pelo fortalecimento da receita e por iniciativas para estimular o crescimento econômico — sustenta Tonollier.
Na avaliação de Darcy Carvalho dos Santos, especialista em finanças públicas e autor de inúmeros livros sobre a situação do Estado, o Palácio Piratini acertou ao propor medidas duras para conter o avanço da folha. Apesar disso, na opinião dele, algumas concessões feitas por Leite dificultarão a busca pelo equilíbrio. O governador concordou em estender a quadros da Polícia Civil o direito à paridade e à integralidade (quando o servidor se aposenta com salário integral e recebe os mesmos reajustes pagos aos ativos) e assentiu em não levar adiante — por enquanto — o projeto que previa novas alíquotas previdenciárias para os PMs.
— Não tenho dúvida de que Leite fez mais do que os antecessores do ponto de vista financeiro, mas deixou coisas de fora. Com a paridade e a integralidade, não tem como haver equilíbrio atuarial — pondera Santos.
Fizemos cálculos para 10 anos, mas, se olharmos para daqui a 20, 30 anos, o ganho será exponencial.
LEANY LEMOS
Secretária de Planejamento
Para o economista Fábio Pesavento, professor da ESPM-Porto Alegre, o desafio do Palácio Piratini, a partir de agora, é aprofundar as mudanças.
— Reforma boa é reforma aprovada. Isso não significa que o que foi feito basta. O governo tem de melhorar a qualidade do gasto e seguir controlando despesas. As privatizações também precisam acontecer, mas não a toque de caixa. A população não pode ser penalizada — diz Pesavento.
Secretária de Planejamento e uma das cabeças por trás do pacote, Leany Lemos reconhece que os debates na Assembleia acabaram reduzindo o impacto da reforma, mas garante que, a longo prazo, os ganhos terão trajetória ascendente. Os valores estimados, segundo ela, envolvem apenas o Executivo. Considerando os demais poderes e órgãos, o benefício aos cofres públicos tende a ser maior. Além disso, pode ajudar o governo do Estado a concretizar a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
— Fizemos cálculos para 10 anos, mas, se olharmos para daqui a 20, 30 anos, o ganho será exponencial. O Rio Grande do Sul quebrou um paradigma. É claro que não podemos ficar apenas nisso. A reforma é só o começo — afirma a secretária.