Ainda que o impacto financeiro do pacote do funcionalismo tenha ficado aquém do projetado e, por si só, seja insuficiente para sanar a crise do Estado, o desfecho de três dias de votações de temas polêmicos na Assembleia Legislativa confirma a força política do governador Eduardo Leite e consolida o ímpeto reformista da gestão tucana, que cimentou a mais ampla base parlamentar dos últimos 30 anos.
Sem sobressaltos, em apenas três dias de votações, o governo Eduardo Leite aprovou, na última semana, a mais abrangente reforma do serviço público estadual desde a redemocratização. Ainda que o impacto financeiro tenha ficado aquém do projetado e, por si só, seja insuficiente para sanar a crise do Estado, o desfecho confirma a força política de Leite e consolida o ímpeto reformista da gestão tucana, que cimentou a mais ampla base parlamentar dos últimos 30 anos.
Apresentado em outubro de 2019 a deputados e sindicalistas, o pacote mexeu com tabus do funcionalismo, alterando regras de aposentadoria, cortando benefícios e revisando o estatuto do magistério, criado em 1974 e jamais modificado. Apenas uma proposta, alvo de insegurança jurídica, foi retirada de pauta — a que previa novas regras de contribuição para policiais militares.
— Respeitamos na plenitude a importância do diálogo e levamos secretários e técnicos para dentro da Assembleia como nunca se fez. Foi uma experiência fora do comum — avalia o líder do governo na Casa, Frederico Antunes (PP).
Em 30 anos de vida pública, o chefe da Casa Civil, Otomar Vivian, destaca a resolutividade do plenário. Em administrações passadas, sessões envolvendo temas polêmicos vararam madrugadas. Dessa vez, nada disso ocorreu.
— Que eu me lembre, deve ter sido um recorde ter-se aprovado em menos de 24 horas uma PEC (proposta de emenda à Constituição) — disse Vivian, em entrevista à Rádio Gaúcha.
Até o fim de dezembro, diante da resistência das corporações e de incertezas entre aliados, só uma das oito propostas havia sido apreciada e chancelada pelos parlamentares: o texto que impôs alíquotas previdenciárias progressivas aos servidores civis.
Por pressão do MDB, maior bancada governista, a análise das demais medidas foi postergada para a convocação extraordinária, no fim deste mês. Com três semanas de negociações intensas, o recuo foi providencial: nenhum dos seis projetos que viriam a ser pautados recebeu menos de 32 dos 55 votos.
Antes improvável, o escore conquistado por Leite foi possível graças a uma constelação de fatores, incluindo as concessões feitas a apoiadores, a estratégia de votação — com a PEC, de mais difícil aprovação, apreciada primeiro — e a desmobilização dos servidores, em especial dos professores. Mas tudo isso não teria sido suficiente sem a atuação decisiva do MDB nos bastidores.
Com oito cadeiras no parlamento, a sigla do ex-governador José Ivo Sartori se tornou fiadora de Leite e a principal responsável pelo acordo histórico firmado com a direção do Cpers-Sindicato. A entidade, que representa 80 mil docentes, aceitou a ajuda do antigo desafeto — com quem teve embates terríveis no passado recente — na esperança de reduzir os danos à categoria.
— O novo plano de carreira do magistério era uma bola quadrada. Nossa bancada estudou o projeto artigo por artigo, pinçou os problemas e apontou as soluções — resume o deputado Gabriel Souza (MDB), um dos articuladores do pacto.
Em 10 dias, a bancada fez cinco reuniões com o Cpers e pelo menos mais cinco com integrantes do governo. Entre um encontro e outro, o WhatsApp foi a ponte com o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, e os secretários Marco Aurelio Cardoso (Fazenda) e Leany Lemos (Planejamento), a mais resistente às modificações. Entre segunda (27) e terça-feira (28), o acerto estava selado. Com o aval de Leite, o projeto foi suavizado, pavimentando o caminho para a aprovação.
— Quando o Cpers aceitou a proposta, eu defendi que o texto fosse votado logo, porque um acordo como esse é como eclipse solar: é lindo, raro e não se sabe quanto vai se repetir. Em tempos de radicalização política, foi inédito. Só um partido centrista como o MDB poderia ter viabilizado isso — sustenta Souza.
No dia seguinte, quarta-feira (29), críticas à presidente do sindicato, Helenir Schürer, quase puseram tudo a perder. Deputados que haviam se comprometido a votar a favor da emenda balançaram, mas a crise foi superada. Resultado: o texto, que em dezembro parecia intragável, acabou sendo acatado com folga. A oposição, que só ficou a par das tratativas depois, foi atropelada.
— O governo tem 41 votos. Nós somos 14. Surpresa seria Leite perder, mas não nos sentimos derrotados. Lutamos até o fim. Fomos surpreendidos pelo acordo e discordamos. Alguns não compreenderam a dimensão nociva do pacote, mas o tempo vai mostrar que estávamos certos — lamenta Luiz Fernando Mainardi, líder da bancada do PT.