Entenda a reportagem em quatro pontos
- O prefeito de Santana do Livramento foi afastado do cargo por 90 dias. Ele é apontado como líder de uma organização criminosa que teria causado prejuízo de R$ 3,3 milhões aos cofres públicos.
- Ministério Público e policiais cumprem mandados de busca e apreensão em Livramento, Porto Alegre, Novo Hamburgo, Torres e Bagé.
- Também foram afastados do cargo quatro secretários, o procurador jurídico do município, a diretora do Sistema de Previdência e dois assessores do prefeito.
- Há indícios de fraude para contratar uma entidade que intermedeia contratações de professores para a rede municipal de educação.
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Apontado como líder de uma suposta organização criminosa formada por pelo menos oito auxiliares graduados e que teria causado prejuízo de R$ 3,3 milhões aos cofres públicos, o prefeito de Santana do Livramento, Solimar "Ico" Charopen Gonçalves (PDT), foi afastado do cargo na manhã desta sexta-feira (27).
Eram 6h quando membros do Ministério Público e dezenas de policiais civis e militares cumpriram, de forma simultânea, nove mandados de busca e apreensão na prefeitura e na casa de Ico Charopen e seis em endereços de Porto Alegre, Novo Hamburgo, Torres e Bagé.
A decisão judicial atinge praticamente metade do primeiro escalão. Também foram afastados dos postos quatro secretários, o procurador jurídico do município, a diretora do Sistema de Previdência (Sisprem) e dois assessores pessoais do prefeito, incluindo seu chefe de gabinete (veja a lista abaixo). Assim como Charopen, eles tiveram as casas varejadas pelas autoridades.
Batizada de "Parceria", a operação foi conduzida pessoalmente pela procuradora de prefeitos, Ana Rita Schinetscki, que acompanhou o cumprimento dos mandados em Livramento. Outros quatro promotores participaram da ação policial.
Ao chegarem à prefeitura, todas as portas internas estavam fechadas, e os agentes tiveram que esperar mais de uma hora até um funcionário levar as chaves de acesso aos gabinetes. A ação atraiu tantos curiosos, que a rua em frente ao prédio precisou ser bloqueada.
Charopen foi surpreendido em casa, enquanto tomava chimarrão. Irritado, disse que não era "ladrão", mas foi orientado a se acalmar.
Na residência do procurador jurídico, Ramzi Ahmad Zeidan, foi encontrada uma pistola 9 mm, o que irá gerar uma prisão por porte ilegal de arma. Já em um carro estacionado em frente à casa do secretário da Saúde, Carlos Enrique Civeira, foram encontrados R$ 10 mil em dinheiro.
Em Bagé, o alvo foi o procurador-geral do município, Heitor Gularte, investigado por suposta ligação com a Oscip. Os mandados foram emitidos pelo desembargador Rogério Gesta Leal.
Investigação
O inquérito aponta indícios de fraude na dispensa de licitação para contratação de uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip). Com sede em Porto Alegre e atuando junto à prefeitura desde 2018, a Ação Sistema de Saúde e Assistência Social intermedeia contratações de professores para a rede municipal de educação.
O termo de parceria e um posterior aditivo firmados com a entidade somam R$ 18,3 milhões, dos quais R$ 16 milhões já foram pagos. Segundo a Procuradoria de Prefeitos, a "contratação foi apenas um artifício utilizado pela administração pública para justificar e realizar uma dispensa ilegal, fraudulenta e direcionada" de licitação.
Charopen, também de acordo com o MP, teria inclusive coagido subordinados visando à assinatura de contrato, cujo objetivo seria "realizar desvios milionários e proporcionar enriquecimento ilícito de agentes públicos e privados, mediante recebimento de vantagens indevidas".
Além do prejuízo financeiro, avaliado em R$ 3,3 milhões em auditoria do Tribunal de Contas do Estado, a contratação teria ocasionado perdas à comunidade escolar, com a descontinuidade do processo de ensino.
O "compadrio entre as partes" foi detectado no Termo de Parceria n. 01/2018, no aditivo n. 001/2018 e no Concurso de Projetos 001/2018. Tais processos administrativos deram roupagem ao desvio, permitindo a ação de "verdadeira organização criminosa que atuou intensamente no sentido de fraudar e direcionar" os contratos, como argumenta o MP.
Entre os investigados estão alguns dos mais importantes integrantes do primeiro escalão, como os secretários de Administração, da Fazenda e da Saúde. Todos os nove agentes públicos foram afastados por 90 dias, em decisão da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ). A Oscip teve as atividades suspensas. A casa dos sócios e a sede da entidade também foram alvo dos mandados de busca e apreensão.
Na ausência de Charopen, assume a prefeitura a vice, Mari Elisabeth Trindade Machado (PSB), desafeta do prefeito. Em setembro, ele foi condenado na Justiça Federal por improbidade administrativa ao não atender sucessivas solicitações e requerimentos do Ministério Público Federal. Na ocasião, teve os direitos políticos suspensos por três anos, mas foi mantido no cargo. Na semana passada, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) suspendeu os efeitos da sentença até o julgamento da apelação.
Agora, a Procuradoria de Prefeitos diz que Charopen, "além de ter pleno conhecimento das ilegalidades, utilizava seus assessores e parte de seu secretariado para agir em benefício de interesses particulares". Mesmo alertado das irregularidades por servidores de carreira da prefeitura, ele teria obrigado funcionários a repassar dinheiro à Ação Sistema de Saúde e Assistência Social.
Os afastados
- Prefeito Solimar “Ico” Charopen Gonçalves
- Procurador jurídico do município, Ramzi Ahmad Zeidan
- Secretário de Administração, Fernando Gonçalves Linhares
- Secretário da Fazenda, Mulcy Torres da Silva
- Secretário de Saúde, Carlos Enrique Civeira
- Secretária da Cultura, Esportes e Turismo, Maria Regina Prado Alves
- Diretora do Sistema de Previdência do Município (Sisprem), Valéria Argiles da Costa
- Chefe do gabinete do prefeito, Rodrigo Weber de Souza
- Assessor do Gabinete do prefeito, Anderson Dias Carvalho
Contrapontos
O que diz João Luiz Vargas, advogado do prefeito Ico Charopen:
"O prefeito está à disposição para prestar todos os esclarecimentos necessários. Há cerca de 30 dias, ele esteve na Procuradoria dos Prefeitos, levando farta documentação sobre essa questão. Talvez não tenha sido suficiente. O prefeito está convicto da correção de seus atos e apresentará todos os documentos que por ventura o Ministério Público ainda não tenha posse. Vamos esclarecer tudo, apresentando provas. Ele e todos os secretários afastados vão colaborar. Enquanto isso, estou analisando a possibilidade de ingressar com recurso para que ele volte ao comando do município."
O que diz Mulcy Torres da Silva, secretário da Fazenda:
"Hoje eu renunciei ao cargo em caráter irrevogável. Tenho 78 anos de idade e nunca me envolvi em irregularidades. Tenho minha consciência tranquila e certeza da minha inocência. Tudo o que paguei foi com autorização do procurador. Deixei de pagar R$ 2 milhões por falta de prestação de contas. Fui contra a contratação da Oscip, mas não tive o que fazer."
GaúchaZH ainda tenta contato com os demais citados, para contraponto.