Por que a Polícia Federal pediu a prisão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT)? O que consta contra ela, afinal? De olho nessas questões, GaúchaZH conseguiu cópia do inquérito de número 4707 que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e que investiga a suposta compra de apoio do MDB para a reeleição presidencial em 2014. O pedido foi negado pelo ministro do STF Edson Fachin.
De acordo com as investigações, conduzidas pelo delegado Bernardo Guidali Amaral (da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF) e que fazem parte da Operação Lava-Jato, Dilma determinou a distribuição de milhões de reais a senadores do MDB, "como forma de comprar o apoio político de parlamentares para a campanha à reeleição da petista em 2014". Na maioria dos depoimentos a quantia mencionada é R$ 35 milhões. Em pelo menos uma ocasião, R$ 46 milhões.
O inquérito afirma que os recursos indevidos foram obtidos pelo PT em decorrência de negócios firmados entre o Grupo J&F (maior grupo de processamento de carnes no país, dirigido pelo empresário Joesley Batista), o BNDES e os fundos Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa Econômica Federal). Eles teriam resultado em uma "caixinha" de R$ 360 milhões para auxiliar na reeleição de Dilma. Esse total englobaria doações legais e ilegais e embutiria, também, os milhões pagos a senadores do MDB.
A PF trabalha com a hipótese de que tenham sido repassados R$ 35 milhões aos caciques emedebistas. As revelações sobre suposta compra de apoio para reeleição de Dilma estão em quatro colaborações premiadas, firmadas no âmbito da Lava-Jato. As mais detalhadas são de Joesley Batista (dirigente da J&F) e Ricardo Saud (também diretor da J&F, que teria feito pessoalmente entregas de dinheiro). As outras duas delações são de Antonio Palocci (que foi do PT e ex-ministro da Casa Civil de Dilma) e de Sérgio Machado (ligado ao MDB e presidente da Transpetro no primeiro governo Lula).
Conforme as quatro delações, os valores foram repassados aos senadores do MDB de três formas:
- Doações oficiais eleitorais.
- Emissão de notas fiscais expedidas de forma fraudulenta, ou seja, sem a prestação dos serviços.
- Entregas em espécie.
Joesley e Saud declararam que reservaram para doações ao PT duas contas pessoais de Joesley no banco JP Morgan no Exterior, a pedido de Guido Mantega (ex-ministro da Fazenda nos governos Lula e Dilma). Conforme a PF, a primeira conta, denominada "Mustique", serviu para manter as comissões indevidas de 4% dos negócios realizados entre a J&F e bancos governamentais de 2009 a 2010, chegando ao valor total de US$ 71 milhões. A segunda conta, de nome "Formenteira", repetiu os 4% de comissões por negócios firmados entre a multinacional de carnes e bancos governamentais de 2011 e 2014, chegando ao valor total de US$ 77 milhões.
Joesley apresentou extratos das contas e cópias de contratos firmados com o BNDES e cópias de planilhas. O inquérito detalha:
"O colaborador JOESLEY BATISTA apresentou, ainda, o documento 'Planilhão das doações de 2014' (fls. 317-321), na qual foram discriminados os valores, bem como os partidos e políticos destinatários dos recursos indevidos obtidos pelo PT a partir dos negócios firmados entre o Grupo J & F, o BNDES e os fundos de pensão PETROS e FUNCEF, totalizando cerca de R$ 330.000.000,00 (trezentos e trinta milhões de reais)".
Outros R$ 30 milhões teriam sido bancados pela J&F a pedido de Dilma, segundo Joesley, para a tentativa de reeleição de Fernando Pimentel (PT) ao governo estadual de Minas Gerais. Com isso, o total chega aos R$ 360 milhões mencionados nas doações.
O Ministério Público Federal (MPF) endossa as suspeitas e diz que foram recolhidos indícios consistentes da prática de lavagem dos valores percebidos pelos políticos do MDB, com a intermediação de empresas e escritórios de advogados, notas fiscais, recibos eleitorais e comprovantes de depósitos bancários.
Inicialmente Dilma Rousseff não era investigada. Passou a ser quando Joesley Batista afirmou ter participado de reunião com a própria presidente, em 2014, na qual ela solicitou que ele repassasse dinheiro ao candidato a governador Pimentel (PT) e aos senadores do MDB para garantir apoio à reeleição dela. Leia trecho do inquérito a respeito:
"...o colaborador JOESLEY BATISTA, durante a sua reinquirição no dia 12 de março de 2019, relatou ter se reunido com a ex-presidente DILMA ROSSEFF no Palácio do Planalto para tratar de um pedido para realização de contribuições no valor de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais) para a campanha de FERNANDO PIMENTEL ao Governo do Estado de Minas Gerais. Revelou ter explicado para a ex-presidente DILMA ROUSSEFF que o Grupo J & F já teria feito contribuições eleitorais no valor de R$ 330.000.000,00, bem como que, caso fossem feitas as contribuições no valor de R$ 30.000.000,00, se atingiria o montante de R$ 360.000.000,00, esgotando os créditos que o PT possuía junto ao Grupo J & F.
Ressaltou que teve certeza de que a ex-presidente DILMA ROUSSEFF tinha inteiro conhecimento e havia anuído com a realização de contribuições no contexto da campanha presidencial, a partir da 'conta corrente' de valores indevidos que o PT possuía junto ao Grupo J & F - estando aí incluídas as contribuições no valor de R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais) aos Senadores do PMDB (fls. 697-702)".
STF se recusou a prender a ex-presidente
O delegado Bernardo Guidali Amaral pediu a prisão de Dilma, do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega (do PT, que seria o operador dos pedidos de propina), de seis senadores do MDB que teriam recebido suborno e de alguns envolvidos na entrega de dinheiro, para garantir a instrução do processo.
Ele argumentou que Dilma e os senadores do MDB fizeram uma "associação criminosa" e que as prisões atingiriam apenas os investigados com maior relevância, "bem como os que atuaram na entrega e no recebimento em espécie das quantias ilícitas", justificou Amaral. E reforçou:
"...a privação da liberdade de locomoção destes indivíduos é indispensável para a identificação de fontes de prova e obtenção de elementos de informação quanto à autoria e materialidade das infrações penais investigadas...".
O pedido de prisão foi duplamente rechaçado. Primeiro, pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que costuma ser parceira da PF em pedidos de prisão. O vice-procurador-geral da República, José Bonifácio de Andrada, considerou desnecessárias as prisões:
"...não há evidências de que, em liberdade, os investigados possam atrapalhar a execução das medidas de busca e apreensão", argumentou.
Em seguida o pedido de prisão foi negado pelo ministro do STF relator das ações da Lava-Jato, Edson Fachin. Em 21 de outubro, ele se posicionou. Admitiu como "plausíveis as hipóteses investigadas, mas considerou não existirem indicações concretas que evidenciam necessidade de medidas extremas... (as prisões)".
Fachin autorizou buscas em endereços ligados a pessoas que teriam feito distribuição de dinheiro e, também, determinou convocação de políticos do PT e MDB para depoimento na PF.
Em nota sobre o pedido de prisão, a ex-presidente disse que a notícia é "estarrecedora" e afirma que "revela o esforço inconsequente do ministro da Justiça, Sérgio Moro no afã de perseguir adversários políticos".
Contraponto
GaúchaZH tentou contato com Fernando Pimentel, mas ele não foi localizado até a noite desta quarta-feira.