A promessa de uma reforma administrativa "suave", feita por Jair Bolsonaro, é resultado de uma equação com diversas variáveis. Ao pisar no freio, o presidente pegou de surpresa a equipe técnica do Ministério da Economia, mas não os servidores. Donos de poderoso lobby junto ao Congresso, a elite do funcionalismo federal pressiona contra mudanças nas carreiras e ameaça com protestos pelo país.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), admitiu nesta terça-feira (19) deixar o projeto para 2020.
— Ela pode ficar para o ano que vem, mas não se tem nenhuma decisão ainda tomada em relação a isso — disse Fernando Bezerra Coelho no Palácio do Planalto.
O envio do projeto que promete alterações profundas no RH da União — com efeito cascata em Estado e municípios — foi adiado três vezes no último mês. Além da busca por um melhor ambiente político, técnicos do governo trabalham para alterar pontos da proposta, embora neguem que haja a intenção de desfigurar o texto original.
Depois que Bolsonaro afirmou que "não há pressa" para encaminhar a matéria ao Legislativo e o ministro da Economia, Paulo Guedes, dizer que a ação "não sai tão cedo", o Planalto avalia a possibilidade de propor as mudanças somente em 2020. No entanto, o ano novo traz um complicador para a votação de iniciativas impopulares: as eleições municipais.
A saída do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da prisão — vista como um novo fôlego à oposição — e a onda de protestos populares em países vizinhos também ajudaram a acender a luz amarela no governo.
As carreiras federais com maior poder de persuasão — como auditores da Receita Federal, delegados da Polícia Federal e integrantes do Ministério Público — buscam atalhos para defender os atuais direitos da carreira pública. Nas últimas semanas, entidades que representam mais de 200 mil servidores se reuniram com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e com integrantes do governo.
— A gente já esperava esse recuo do presidente. O projeto está sendo feito por quem não conhece o serviço público. Bolsonaro não vai comprar briga com 12 milhões de servidores públicos — comenta o presidente do Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques.
Extinção da estabilidade é um dos pontos mais criticados
Mesmo antes da divulgação oficial, o projeto de reforma administrativa já tem as diretrizes conhecidas. Os pontos mais criticados pelo funcionalismo são a extinção da estabilidade para novos servidores — excluindo setores que sofrem com pressões políticas, como auditores da Receita e fiscais do trabalho — e a aproximação das regras de progressões e reajustes às do setor privado.
Entre os itens de concordância, está a necessidade de adoção de critérios para avaliar o desempenho dos trabalhadores. Ainda assim, não há discussão sobre os parâmetros que serão considerados para a definição dessas novas regras.
No Congresso, há duas frentes parlamentares em defesa do serviço público. A maior delas é composta por 255 deputados — quase metade das 513 cadeiras da Câmara.
O grupo é formado por parlamentares de diversos matizes ideológicos e, apesar de contar com integrantes favoráveis às mudanças nas carreiras, como o deputado liberal Lucas Gonzalez (Novo-MG), a resistência do colegiado à reforma administrativa une representantes de esquerda e direita.
A força no parlamento é o trunfo considerado pelo presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Unafisco), Mauro Silva. Ele lembra que, mesmo sem o encaminhamento da reforma administrativa, o funcionalismo pressiona contra duas propostas de emenda à Constituição (PEC), apresentadas pelo governo no início de novembro. Os textos propõem redução de até 25% da jornada de trabalho dos servidores, com consequente corte na remuneração, e o congelamento de progressões e contratações.
— O presidente (Bolsonaro), apesar de atitudes impensadas em alguns momentos, é parlamentar antigo. Ele sabe que, sem bom senso, pode incendiar o país — pontua Silva.
Líderes da Câmara endossam esse entendimento. Nos corredores do parlamento, mexer em benefícios dos servidores públicos é visto como colocar a mão em um vespeiro. Até mesmo deputados próximos ao Planalto — grupo formado, em grande parte, por trabalhadores da segurança pública — não garantem a defesa da proposta.
Itens da reforma administrativa que enfrentam maior resistência dos servidores:
- Novos servidores não teriam estabilidade no cargo, além de estágio probatório de até 10 anos
- Salários de entrada mais baixos e maior tempo para chegar ao topo da carreira, com remuneração próxima à de empresas privadas
- Possibilidade de vínculos temporários e contratações via CLT, mesmo através de concursos públicos
Ponto em que há concordância parcial entre governo e funcionalismo:
- Adoção de critérios de avaliação dos servidores, possibilitando a demissão aos trabalhadores que não atingirem parâmetros mínimos. Mas, não há discussões sobre como as análises seriam feitas
Outros pontos que deverão estar na proposta:
- Redução do número de carreiras para algo entre 20 e 30. Atualmente, são 117
- Critérios que permitam maior mobilidade de servidores na administração pública
- Redução de benefícios financeiros nos vencimentos, como auxílio-moradia
- Regulamentação da lei de greve do serviço público, conforme prevê a Constituição
- Atualização do Código de Conduta do funcionalismo federal, elaborado em 1994
Em novembro, o ministro Paulo Guedes apresentou um pacote de medidas que também trazem impacto no funcionalismo, em caso de emergência fiscal. As propostas já estão tramitando no Congresso:
- Redução de até 25% da carga horária e dos vencimentos dos servidores
- Congelamento de salários e do pagamento de novos auxílios, como benefícios e bônus
- Proíbe a criação de cargos e a realização de concursos públicos.
Números do governo federal
Entre os 705 mil servidores ativos vinculados ao Executivo, deverão se aposentar:
- Em 5 anos: 21%
- Em 11 anos: 42%
- Em 20 anos: 61%
A situação é vista como uma "janela de oportunidade" pelo governo, já que grande parte da reforma administrativa atingiria servidores que ainda serão contratados, facilitando um novo planejamento para o serviço público. Atualmente, há 655 mil servidores inativos
Outros números:
- Custo médio mensal de cada servidor é R$ 12,4 mil
- 117 carreiras, sendo que o governo quer reduzir para até 30
- 2 mil cargos, sendo 800 propensos à extinção
- 0,2% dos servidores federais foram desligados entre 2016 e junho de 2019
- 33% dos servidores estão no topo da carreira
- 95% dos servidores com direito a bônus de desempenho recebem o valor máximo
- 60% das gratificações continuam sendo pagas após a aposentadoria
- 96% é a diferença dos salários entre os setores públicos e privado em funções similares
- O rendimento médio do servidor na ativa é 6 vezes superior ao salário médio na iniciativa privada
Fonte: Ministério da Economia