Lula não arrumou as malas. As fotos da família e da namorada ficaram na parede, as roupas pelos cantos. Tudo do jeito que esteve nos 580 dias em que o ex-presidente viveu confinado num quarto adaptado como cela, no quarto andar da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba.
Um grupo de advogados e petistas se reuniu em sua cela, e ele foi informado por um policial que estava livre.
No dia 8 de novembro de 2019, o petista desceu pelas escadas de incêndio da parte de trás do prédio da Polícia Federal, uma tática para despistar a imprensa.
Não levou nada nas mãos. As coisas que ficaram para trás serão entregues para um assessor durante a semana.
Desde o dia 7 de abril de 2018 o endereço do ex-presidente foi um pequeno dormitório de 15 metros quadrados, com banheiro. O local era usado para descanso dos policiais em viagem ao Paraná e foi adaptado para se enquadrar às características de uma sala de estado maior, benefício concedido pelo então juiz Sergio Moro em respeito ao fato de Lula ter sido chefe de Estado.
A prisão ocorreu após condenação em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá. Segundo a Lava-Jato, o imóvel seria dado a ele como pagamento de propina por contratos da OAS com a Petrobras, o que ele nega.
Foram 82 semanas em que Lula, apesar de prisioneiro, fez política partidária, participou ativamente da campanha presidencial de Fernando Haddad (PT), deu entrevistas, prestou depoimentos e teve revelado um romance.
Não faltaram momentos dramáticos. Lula soube, na prisão, que seu neto Arthur, 7, havia morrido, vítima de uma bactéria que entrou na sua corrente sanguínea. O petista foi autorizado pela juíza Carolina Lebbos, responsável pela execução da sua pena, a sair do cárcere e participar do enterro da criança, em São Bernardo do Campo (SP).
Anteriormente o ex-presidente viveu duas outras perdas sem sair da cela. Lebbos não permitiu que se despedisse do irmão mais velho, Genival Inácio da Silva, o Vavá, vitimado por um câncer, nem do amigo Sigmaringa Seixas, advogado e ex-deputado petista.
Espalhou-se entre petistas que a sequência de desgraças havia deixado Lula em depressão. Quem o acompanhou garante que ele se manteve forte. Estava raivoso, mas não deprimido, disse o advogado Luiz Carlos da Rocha, o Rochinha, que visitava o presidente durante a semana.
Quinze dias após ser preso, o petista ganhou de advogados o livro A Virtude da Raiva, escrito por Arun Ghandi, neto do pacifista indiano, que trata de ensinamentos de Ghandi para canalizar a raiva para ações não violentas.
Lula leu a obra, mas a braveza não passou. E tinha um alvo definido: Sergio Moro, atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, que quando juiz responsável pela Lava-Jato condenou o petista na primeira instância no caso do tríplex.
O ex-presidente repetiu insistentemente durante todo o tempo preso que foi vítima de perseguição de Moro, a quem acusou de usar seu caso para fazer política.
Quando o então juiz foi escolhido pelo presidente Bolsonaro para comandar a pasta da Justiça, Lula apontava aquilo como uma prova de que o magistrado atuava pensando numa agenda eleitoral.
Mais tarde, com as revelações de mensagens trocadas entre Moro e procuradores da Lava-Jato, Lula passou a vociferar que não havia mais motivos para dúvidas sobre a parcialidade do magistrado, que atuaria como um acusador.
Obtidas pelo The Intercept Brasil e divulgadas pelo site e por outros veículos, como a Folha, as mensagens colocaram em xeque a conduta do então juiz e de integrantes da força-tarefa e levaram ao enfraquecimento da Lava-Jato.
A cela onde Lula vivia tinha TV, rádio e uma esteira ergométrica. O ex-presidente fazia caminhadas no aparelho e se exercitava com fitas elásticas, para ativar a musculatura dos braços e nas pernas.
A televisão era o maior passatempo. Via noticiário, assistia a séries e filmes levados por seus advogados em um pendrive e analisava, inclusive, os programas religiosos, por considerar que padres e pastores são atores políticos que ganharam importância maior neste momento do país.
Adaptar um lugar só para Lula, num local afastado dos outros presos, resultou em isolamento. Ele passava cerca de 22 horas por dia sozinho (recebia visitas de uma hora de seus advogados na parte da manhã e outra à tarde). Nos finais de semana não via ninguém além dos carcereiros.
Por isso, a pessoa com quem o ex-presidente mais teve contato na prisão foi o agente federal Jorge Chastalo Filho, chefe dos agentes da Polícia Federal paranaense. Era ele quem abria a cela do ex-presidente às 8h e fechava às 17h.
Quando Lula chegou à prisão, em 7 de abril do ano passado, foi Chastalo quem levou Lula até sua cela. Nesta sexta (8), foi o policial que deu a notícia de que o petista estaria livre.
— Alvará assinado — disse o agente.
Lula sorriu. Coube a Chastalo escoltar Lula pelos quatro andares de escada de incêndio até a saída do prédio.
Condenado em primeira instância pelo então juiz Sergio Moro no processo do tríplex de Guarujá, em 2017, Lula teve sua pena elevada na segunda instância, recorreu e, neste ano, teve sua punição mantida, fixada no Superior Tribunal de Justiça em 8 anos e 10 meses e 20 dias de prisão.
O caso ainda tem recursos finais pendentes nessa instância antes de ser remetido ao STF. O ex-presidente sempre negou as acusações de corrupção e lavagem de dinheiro.
O Supremo, porém, ainda pode anular todo o processo sob argumento do petista de que o juiz responsável pela condenação, Sergio Moro, não tinha a imparcialidade necessária para julgá-lo naquela situação. Ainda não há, porém, data marcada para que esse pedido seja analisado.
Além do caso do tríplex, Lula foi condenado em primeira instância a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção e lavagem no caso do sítio de Atibaia (SP). Essa condenação também pode ser anulada porque a defesa apresentou suas considerações finais no processo no mesmo prazo de réus delatores.
O ex-presidente ainda é réu em outros processos na Justiça Federal em São Paulo, Curitiba e Brasília. Com exceção de um dos casos, relativo à Odebrecht no Paraná, as demais ações não têm perspectiva de serem sentenciadas em breve.
Ao longo desse período de Lula no cárcere, a defesa manteve uma série de embates com a juíza Carolina Lebbos por questões do dia a dia do cumprimento da pena.
Com a decisão do STF, o tempo que presos de maneira provisória, como Lula, permaneceram na cadeia será descontado do período total da pena caso eles tenham que voltar ao regime fechado após o esgotamento de todos os recursos em última instância.