Pela primeira vez em um ano e sete meses, o alvorecer no bairro Santa Cândida, em Curitiba, não foi saudados aos gritos de “Bom dia, presidente Lula”. Para alívio da vizinhança da Polícia Federal (PF), desde o final da tarde de sexta-feira (8) a região não abriga mais o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na manhã deste sábado (9), militantes começavam o desmonte da Vigília “Lula Livre”, espaço que serviu de concentração dos apoiadores durante a estadia do petista na cadeia.
Um dos coordenadores do local, Roberto Baggio, membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sustenta que a vigília foi fundamental para manter preservada a autoestima do ex-presidente.
Todos os dias, pela manhã, à tarde e à noite, simpatizantes se reuniam bradar cumprimentos ao petista. Recluso a uma sala no último andar da sede da PF, Lula não enxergava os companheiros – avistava apenas a copa de dois pinheiros plantados no terreno –, mas aproximava o ouvido da janela para ouvir a saudação.
— O sentido era garantir a rotina diária, para que Lula sentisse a presença humana do lado de fora. Era algo como as mães da praça de Mayo, em Buenos Aires, só que elas são silenciosas. Como o Lula não nos enxergava, era fundamental que nos escutasse – explica Baggio.
O grupo chegou ao local antes mesmo do próprio ex-presidente. A mobilização começou na manhã de 7 de abril de 2018, horas antes de o petista se entregar à PF em São Paulo. No início, os militantes dormiam em barracas improvisadas sobre as calçadas. Houve tumultos, proibições judiciais e até confronto com um policial federal que destruiu caixas de som dos militantes.
Quando PT, CUT e MST sentiram que acabariam expulsos do local, alugaram casas e terrenos nas redondezas. A Casa de Formação Marielle Vive, localizada a 50 metros da PF e cuja manutenção custa R$ 5,5 mil mensais, recebeu cerca de 20 mil pessoas até hoje, incluindo ativistas políticos de quase toda América Latina, países da Europa e até mesmo do Uzbequistão.
— Aqui a gente ministrou cursos, fez reuniões, recebeu militantes do mundo todo. A ideia agora é manter o espaço como um memorial da luta pela liberdade de Lula – diz o teólogo Tylle Chaves, coordenador do espaço.
Para os antigos moradores da região, a saída de Lula da prisão soa como um retorno à normalidade perdida. Com 27 mil habitantes, o bairro sempre teve como característica a tranquilidade de uma zona majoritariamente residencial. O cotidiano era pacato e havia poucos estabelecimentos comerciais. A partir de 2002, a construção da sede da PF trouxe sensação de segurança e valorizou os imóveis.
Tudo mudou em de abril de 2018. Com a chegada de Lula ao cárcere, a rotina das ruas passou por uma radical transformação. Havia uma tensão perene no ar. Há 50 anos morando na Rua Sandália Manzon, que passa em frente à PF, a autônoma Janete Walesko se viu obrigada a abandonar o bairro. A casa hoje está alugada ao segundo inquilino – o primeiro não aguentou e devolveu o imóvel após os primeiros meses de locação.
– Era um inferno. Barulho, sujeira, intimidação. Eu reclamei na prefeitura, na polícia, no Ministério Público, nunca adiantou. Meu pai tem 87 anos e nunca mais pôde sair à rua, tomar sol. Fiz boletim de ocorrência por ameaça, mas até agora não deu em nada. Fico feliz que ele (Lula) foi embora, mas para lá não volto – desabafa.