A Polícia Civil do Rio de Janeiro apreendeu na manhã desta quinta-feira (7) computador na administração do condomínio Vivendas da Barra, onde morou até o fim do ano passado o presidente Jair Bolsonaro (PSL). O objetivo é periciar o sistema de gravação do interfone do local.
A ação é parte da investigação sobre o mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018. No condomínio, também morava o policial militar aposentado Ronnie Lessa, acusado de ser o executor do crime.
A apreensão foi revelada pelo G1 e confirmada pela Folha de S.Paulo. A medida ocorreu dois dias após o Ministério Público do Rio de Janeiro ser oficialmente notificado pela Procuradoria-Geral da República sobre a possibilidade de prosseguirem no Estado as investigações sobre os mandantes do crime depois da citação ao nome do presidente no inquérito.
Os agentes da Divisão de Homicídios e do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) ficaram cerca de duas horas no condomínio.
Peritos vão analisar se houve alguma alteração no sistema de gravação de chamadas entre a portaria e as casas do local. O objetivo é esclarecer todo o contexto sobre a autorização de entrada do ex-policial militar Élcio de Queiroz, também acusado no crime, no condomínio horas antes do homicídio.
Um arquivo desse sistema do condomínio mostra, segundo perícia do Ministério Público do Rio de Janeiro, Ronnie Lessa autorizando a entrada de Élcio.
Essa análise foi usada pela Promotoria para contradizer o depoimento de um porteiro que apontou "seu Jair" da casa 58, de Bolsonaro, como o responsável por liberar a entrada do acusado.
Na planilha manuscrita de controle de entrada consta a unidade 58 como quem autorizou a entrada — a coluna para o nome da pessoa, contudo, está em branco.
A Folha de S.Paulo revelou, contudo, que a perícia do Ministério Público não avaliou a possibilidade de algum arquivo ter sido apagado ou renomeado antes de ser entregue às autoridades. Ela tinha como único objetivo instruir a ação penal contra os acusados de matar Marielle e Anderson, provando o encontro dos dois réus.
Essa mídia com a gravação foi entregue à Polícia Civil no último dia 7 de outubro pelo síndico do condomínio. Nela constavam arquivos referentes aos meses de janeiro, fevereiro e março de 2018.
A entrega ocorreu dois dias depois de policiais terem feito busca e apreensão na portaria do Vivendas da Barra em busca da planilha de controle de entrada de visitantes.
No mesmo dia 7, o porteiro foi ouvido — ele foi reinterrogado dois dias depois, reafirmando o relato inicial, envolvendo Bolsonaro.
O único objetivo da análise nos arquivos entregues pelo síndico foi confirmar se é de Ronnie Lessa a voz que autoriza a entrada do ex-policial militar Élcio Queiroz.
Os peritos usaram como base de comparação o interrogatório do PM aposentado dado à Justiça no caso Marielle no dia 4 de outubro.
Os questionamentos das promotoras aos peritos não incluem perguntas sobre a possibilidade de algum arquivo ter sido apagado ou renomeado. O nome do arquivo é que indica qual casa recebeu a ligação da portaria — o arquivo que apresenta o anúncio de Élcio a Lessa tem o trecho B65, indicando ter como destino a casa 65.
O documento também indica que os técnicos não tiveram acesso ao computador de onde os dados foram retirados.
O presidente da Associação Brasileira de Criminalística, Leandro Cerqueira, afirmou que, sem acesso à máquina em que os arquivos foram gravados, não é possível identificar se um arquivo foi apagado ou renomeado.
— A edição pura e simples, se cortou alguma coisa, dá pra fazer (apenas com a cópia). O arquivo pode não estar editado, mas pode ter sido trocado. Tem "n" coisas que aí não é a perícia no áudio, é a perícia da informática. Para ver se não foi alterada a data ou qualquer outra coisa nesse sentido, tem que ter acesso ao equipamento original. A perícia vai lá, faz um espelho, e pericia o espelho, para garantir a idoneidade da prova — afirmou.