Seis anos após a conclusão das investigações da Operação Concutare, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou, nesta sexta-feira (29), denúncia sobre suposto esquema de propina relacionado à liberação de licenças ambientais pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). O gesto do MPF ocorre 23 dias após a Justiça Federal ter arquivado o inquérito do caso por "inércia" da promotoria. A apuração havia sido concluída pela Polícia Federal em agosto de 2013, e o prosseguimento do caso dependia do MPF, que recorre contra o arquivamento.
Dois ex-secretários estaduais do Meio Ambiente e um ex-servidor da Fepam são agora acusados por crimes de corrupção ativa e passiva supostamente ocorridos em 2012. Foram denunciados o ex-deputado e ex-secretário do Meio Ambiente Berfran Rosado, o ex-servidor público da Fepam Mattos Além Roxo e o ex-presidente da Fepam e ex-secretário do Meio Ambiente do RS Carlos Fernando Niedersberg. É a terceira denúncia da operação.
Os fatos que motivaram a denúncia seriam referentes a processos de licenciamento ambiental em dois condomínios residenciais do Litoral Norte em 2012. O procurador da República Felipe Muller alega que Berfran seria associado do Instituto Biosenso de Sustentabilidade Ambiental, que, segundo o MPF, era uma empresa "destinada à intermediação ilícita entre empreendedores com problemas em processos de licenciamentos ambientais e servidores públicos atuantes em órgãos ambientais".
"Através do Instituto Biosenso, Giancarlo (Tusi Pinto, presidente da instituição, que morreu em 2017 e não é objeto da denúncia) e Berfran atuavam como despachantes/consultores ambientais, ou qualquer outra denominação que corresponda à prática de intermediação de interesses de empresários junto a órgãos públicos para a liberação de licenças ambientais. Contudo, no desenrolar das investigações, observou-se que, a despeito de algum assessoramento técnico que possa ter sido prestado aos seus contratantes, a atividade principal do Instituto Biosenso correspondia à prática de advocacia administrativa (em coautoria com servidores públicos) e de corrupção junto ao órgão ambiental", afirma o MPF.
Caso tramitava desde 2013
A denúncia cria uma situação incomum. Em 6 de novembro deste ano, a juíza Karine da Silva Cordeiro, da 7ª Vara Federal de Porto Alegre, já havia ordenado o arquivamento do inquérito em relação a Berfran. Naquela decisão, ela registrou que a última diligência do MPF no caso havia sido em 2014 e que, ao ser questionado sobre o pedido da defesa (de arquivamento), o MPF não apresentou “qualquer justificativa para a inércia no oferecimento da denúncia”.
Após a decisão que beneficiou Berfran, outros dois investigados, Luiz Fernando Zachia e Elvio Alberto dos Santos, também pediram arquivamento do inquérito em relação a eles, em razão da demora do MPF em fazer a denúncia. A juíza entendeu que era situação “idêntica” à de Berfran e atendeu à solicitação no último dia 25. Além disso, estendeu a decisão para outros 18 indiciados na investigação. Na quinta-feira (28), Zero Hora publicou reportagem sobre a decisão da Justiça, e o MPF informou que apresentaria nesta sexta-feira (29) uma primeira denúncia em relação a esse caso.
Contrapontos
GaúchaZH procura os denunciados para publicar sua posição sobre a denúncia. Defensor de Berfran, o advogado Luciano Feldens criticou o MPF:
– A apresentação de uma denúncia em inquérito judicialmente arquivado é ato de desobediência e abuso de autoridade. O MPF descumpre não apenas a ordem de arquivamento definitivo do inquérito, proferida pela Justiça Federal de primeiro grau, como vai além e desafia o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que nesta semana indeferiu a liminar postulada pelo MPF precisamente para que fosse suspensa a decisão de arquivamento. Agora, o tribunal terá a oportunidade de examinar dois abusos: a omissão de seis anos do MPF e seu procedimento de descumprimento de decisões judiciais.
A Operação Concutare
- Quando a Concutare foi deflagrada, em abril de 2013, 18 pessoas foram presas, entre elas os então secretários do Meio Ambiente do Estado (gestão Tarso Genro), Carlos Fernando Niedersberg, e de Porto Alegre (gestão José Fortunati), Luiz Fernando Zachia, e o secretário do Meio Ambiente do governo Yeda Crusius, Antônio Berfran Rosado.
- A investigação verificou que interessados em fraudar licenças ambientais atuavam junto à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), órgão vinculado à Secretaria do Meio Ambiente, e ao Departamento Nacional de Produção Mineral.
- Ao concluir o inquérito, a Polícia Federal indiciou 49 pessoas por diversos crimes, como crimes ambientais, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, tráfico de influência, advocacia administrativa e falsidade ideológica, entre outros.