Ao estrear na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na manhã desta terça-feira (24), o presidente Jair Bolsonaro usou seu discurso para passar a imagem de um país em reconstrução, após sucessivos governos de esquerda.
Em cerca de 30 minutos de fala, se dedicou a criticar o "viés ideológico" das gestões anteriores e sua suposta tentativa de implantar o socialismo no país, a ressaltar o empenho para preservar a Amazônia sem abrir mão do desenvolvimento econômico da região, a defender a soberania nacional e destacar a abertura do Brasil a parcerias com nações que compartilhem da mesma visão econômica e política.
— Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou em uma situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições — disse Bolsonaro logo no início de seu discurso.
O chefe de Estado também criticou as aproximações que o Brasil manteve em governo anteriores com Cuba e Venezuela, exemplos de países atrasados economicamente e corruptos, segundo ele.
Em relação à Amazônia, que ocupou boa parte do pronunciamento, Bolsonaro reforçou que o Brasil adota medidas para preservar o território, criticou países que adotaram postura contra as ações do governo e parte da mídia, que, segundo ele, provocou ataques infundados. Sem citar nomes de países, Bolsonaro reclamou do que ele chama de postura “colonialista”:
— Um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa e com espírito colonialista. Questionaram aquilo que nos é mais sagrado, a nossa soberania. Um deles por ocasião do encontro do G7 ousou sugerir sanções ao Brasil sem sequer nos ouvir.
Segundo o chefe do Executivo Brasileiro, existe uma manobra da oposição e da mídia para pintar a imagem de um Brasil que não preserva o meio ambiente:
— Ela (a Amazônia) não está sendo devastada e nem sendo consumida pelo fogo, como diz mentirosamente a mídia. Não deixem de conhecer o Brasil, ele é muito diferente daquele estampado em muitos jornais e televisões.
Bolsonaro também voltou a relativizar possíveis fatores que contribuíram para os incêndios registrados nos últimos meses na floresta amazônica, citando populações locais e índios:
— Vale ressaltar que existem também queimadas praticadas por índios e populações locais, como parte de sua respectiva cultura e forma de sobrevivência.
O chefe do Executivo também elencou o que classifica como avanços econômicos promovidos pelo seu governo e destacou a nova postura diplomática do Brasil:
— Não pode haver liberdade política sem que haja liberdade econômica e vice e versa. O livre mercado, as concessões e as privatizações já se fazem presentes hoje no Brasil. A economia está reagindo ao romper vícios e amarras de quase duas décadas de irresponsabilidade fiscal, aparelhamento do Estado e corrupção generalizada.
Acordos comerciais
Bolsonaro ressaltou acordos econômicos fechados durante seu governo, como o tratado do Mercosul com a União Europeia, e voltou a dizer que o Brasil está em etapa avançada de adesão à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE):
— Estamos prontos também para iniciar nosso processo de adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Já estamos adiantados, adotando as práticas mundiais mais elevadas em todo os terrenos, desde a regulação financeira até a proteção ambiental.
Críticas ao Mais Médicos
No início do discurso, enquanto criticava o que ele chama de postura ideológica de governos passados, Bolsonaro atacou o programa Mais Médicos, instituído no Brasil durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff. O presidente afirmou que o projeto proporcionava algo equivalente ao "trabalho escravo", citando supostas afrontas aos direitos fundamentais dos profissionais:
— Em 2013, um acordo entre o governo petista e a ditadura cubana trouxe ao Brasil 10 mil médicos sem nenhuma comprovação profissional. Foram impedidos de trazer cônjuges e filhos, tiveram 75% de seus salários confiscados pelo regime e foram impedidos de usufruir de direitos fundamentais, como o de ir e vir.
Bolsonaro citou a debandada dos médicos cubanos logo após sua vitória nas eleições presidenciais. Conforme o chefe do Executivo, o gesto encerrou a parceria do Brasil com a "ditadura cubana":
— Antes mesmo de eu assumir o governo, quase 90% deles deixaram o Brasil, por ação unilateral do regime cubano. Os que decidiram ficar se submeterão à qualificação médica para exercer sua profissão. Deste modo, nosso país deixou de contribuir com a ditadura cubana, não mais enviando para Havana US$ 300 milhões todos os anos.
Perseguição religiosa
Bolsonaro condenou a perseguição religiosa em diversas regiões do mundo, lamentando ataques "covardes que vitimaram fiéis congregados em igrejas, sinagogas e mesquitas". O presidente classificou esse movimento como "um flagelo que devemos combater incansavelmente".
— Preocupam o povo brasileiro, em particular, a crescente perseguição, a discriminação e a violência contra missionários e minorias religiosas, em diferentes regiões do mundo.
O presidente aproveitou a ocasião para sugerir a criação do "Dia Internacional em Memória das Vítimas de Atos de Violência baseados em Religião ou Crença". A data seria usada em homenagem às vítimas dessa intolerância:
— Nessa data, recordaremos anualmente aqueles que sofrem as consequências nefastas da perseguição religiosa. É inadmissível que, em pleno século XXI, com tantos instrumentos, tratados e organismos com a finalidade de resguardar direitos de todo tipo e de toda sorte, ainda haja milhões de cristãos e pessoas de outras religiões que perdem sua vida ou sua liberdade em razão de sua fé.
Demarcação de terras indígenas
Assunto frequente em seus pronunciamentos, a demarcação de terras indígenas não ficou de fora do discurso de Bolsonaro. Citando que 14% do território brasileiro está sob essa classificação, o presidente voltou a dizer que os nativos brasileiros "são seres humanos, exatamente como qualquer um de nós" e "querem e merecem usufruir dos mesmos direitos de que todos nós". Em seguida, foi taxativo sobre eventual aumento da área demarcada:
— Quero deixar claro: o Brasil não vai aumentar para 20% sua área já demarcada como terra indígena, como alguns chefes de Estados gostariam que acontecesse.
Bolsonaro também citou que líderes indígenas são usados como massa de manobra para defender interesses de governos na Amazônia. Para exemplificar sua tese, Bolsonaro citou o cacique Raoni, liderança indígena Caiapó que percorreu o mundo defendendo a causa da Amazônia.
— A visão de um líder indígena não representa a de todos os índios brasileiros. Muitas vezes alguns desses líderes, como o cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia.
Segurança pública
Bolsonaro assegurou aos espectadores que o Brasil adotou postura de combate à violência, que já reflete em um país mais "seguro e hospitaleiro":
— Medidas foram tomadas e conseguimos reduzir em mais de 20% o número de homicídios nos seis primeiros meses de meu governo. As apreensões de cocaína e outras drogas atingiram níveis recorde.
Em relação às vítimas dos confrontos entre as forças de segurança, Bolsonaro destacou as mortes de policiais militares em 2017.
— Em meu país, tínhamos que fazer algo a respeito dos quase 70 mil homicídios e dos incontáveis crimes violentos que, anualmente, massacravam a população brasileira. A vida é o mais básico dos direitos humanos. Nossos policiais militares eram o alvo preferencial do crime. Só em 2017, cerca de 400 policiais militares foram cruelmente assassinados. Isso está mudando.
"Falácia"
Durante a defesa da soberania do país, usando como pano de fundo a crise das queimadas na Amazônia, o presidente disse que existe uma falácia sobre a floresta no discurso dos que atacam o seu governo.
— É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a nossa floresta é o pulmão do mundo.
Crítica a antecessores e elogios a Morro
Bolsonaro disse que presidentes socialistas que o antecederam "desviaram centenas de bilhões de dólares comprando parte da mídia e do parlamento, tudo por um projeto de poder absoluto".
Partindo desse ataque aos ex-presidentes brasileiros — sem citar nomes —, Bolsonaro aproveitou para elogiar a postura do ministro da Justiça, Sergio Moro, enquanto juiz da Operação Lava-Jato:
— Foram julgados e punidos graças ao patriotismo, perseverança e coragem de um juiz que é símbolo no meu país, o doutor Sergio Moro, nosso atual Ministro da Justiça e Segurança Pública.
Tradição na abertura da assembleia
Tradicionalmente, fica a cargo do presidente brasileiro fazer a fala que abre o evento. Bolsonaro é o oitavo presidente da República a participar dessa solenidade.
Além da primeira-dama Michelle e do deputado federal Eduardo Bolsonaro, os ministros do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e de Minas e Energia, Bento Albuquerque, acompanham Bolsonaro na incursão em solo americano.
O chefe do Executivo viajou para os EUA na segunda (23) e embarca de volta ao Brasil na noite desta terça.