Do início ao fim, em nome do "novo Brasil", Jair Bolsonaro fez o discurso mais agressivo de um brasileiro na história da abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU): foi contra o ardor "colonialista" sobre a floresta Amazônica, contra a mídia nacional e internacional e, contra o socialismo, eleito o principal alvo de boa parte dos seus 30 minutos no principal palco internacional. Em sua estreia diante das delegações de 193 países, o presidente brasileiro transpirou o clima de Guerra Fria: representou um mundo binário, dividido entre capitalistas e socialistas, direita e esquerda, bem e suposto mal.
A começar pela tentativa de desconstrução da imagem internacional do país, Bolsonaro buscou erigir na mente da comunidade internacional um Brasil que, por pouco, não acabou como a falida Venezuela por conta da ação de seus antecessores.
— Apresento aos senhores um novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do socialismo — afirmou.
O tom agressivo da fala foi uma ruptura com o modelo tradicionalmente adotado por outros presidentes, que, orientados por diplomatas de carreira do Itamaraty, preferiam a sobriedade. Da direita à esquerda, os brasileiros que se alternaram na tribuna da Assembleia Geral desde os anos 1940 têm por estratégia evitar ataques diretos a outras nações, apostando na tradição brasileira de boa vizinhança. Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer prestaram, em seus discursos, reverência ao palco onde estavam, acima de tudo um ambiente de diálogo, paz e multilateralismo.
Bolsonaro rompeu com essa tradição. Preferiu a guerra, incendiou com palavras o plenário. Usou o programa Mais Médicos, da era Dilma, para atacar o regime cubano.
— Nosso país deixou de contribuir com a ditadura cubana, não mais enviando para Havana US$ 300 milhões todos os anos — disse.
Em seguida, lançou petardos contra a Venezuela, com o mesmo argumento de envolvimento cubano, algo que Donald Trump, na sequência, também fez ao dizer que o "governo Maduro é fantoche de Cuba":
— A Venezuela, outrora um país pujante e democrático, hoje experimenta a crueldade do socialismo — discursou Bolsonaro, citando o Foro de São Paulo, que chamou de "organização criminosa, criada por Fidel Castro, Lula e Hugo Chávez".
Como já era esperado, o presidente fez da soberania nacional sobre a Amazônia seu cavalo de batalha: sem citar o presidente francês, Emmanuel Macron (que não estava na plateia), ou a chanceler alemã, Angela Merkel (que estava), ele afirmou que "valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista".
— Um deles por ocasião do encontro do G7 ousou sugerir aplicar sanções ao Brasil, sem sequer nos ouvir — disse, referindo-se a Macron, mais uma vez sem citá-lo.
Bolsonaro não usou a palavra "globalismo", mas descreveu o termo, uma obsessão de Olavo de Carvalho e assessores próximos do presidente, com precisão ao dizer que "a ideologia se instalou no terreno da cultura, da educação e da mídia, dominando meios de comunicação, universidades e escolas".
A lógica do nós contra eles (socialistas, colonialistas e imprensa) predominou. Não fossem alguns símbolos do século 21 — os smartphones, o teleprompter, a transmissão digital pela TV e alguns cortes de cabelo de líderes ocidentais —, algum desavisado espectador que dedicou seus 30 minutos da manhã a assistir Bolsonaro na ONU poderia imaginar que o discurso fora pronunciado na bipolar década de 1960.