
Os 30 minutos do discurso do presidente Jair Bolsonaro na ONU foram mais direcionados ao público interno do que aos chefes de Estado que estavam na plateia. Escrito sob medida para agradar aos seguidores no Brasil, passeou pelos temas recorrentes em suas transmissões ao vivo pelas redes sociais: socialismo, ideologia de gênero, corrupção dos antecessores, religião, soberania, liberdade econômica e combate à criminalidade.
Foi um discurso ideológico do início ao fim, mas o presidente falou como se só existisse ideologia de esquerda.
Na tentativa de reverter a imagem negativa do Brasil no Exterior, Bolsonaro começou dizendo que iria apresentar "o novo Brasil que ressurge depois de ter ficado à beira do socialismo". Disse que o Brasil é muito diferente do país mostrado pela mídia. Destacou as medidas em favor da liberdade econômica, os acordos do Mercosul com a União Europeia e a preparação para o ingresso na OCDE.
A Amazônia — assunto de maior interesse fora das fronteiras brasileiras — ocupou boa parte da fala, mas antes de abordar as questões ambientais, o presidente transitou pelos países vizinhos (Cuba e Venezuela):
— Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou em uma situação de corrupção generalizada — começou, citando o programa Mais Médicos, assinado em 2013, como exemplo de associação do governo petista com a ditadura cubana.
Definiu o Mais Médicos como "trabalho escravo, respaldado por entidades de direitos humanos do Brasil e da ONU", e gabou-se de ter acabado com a remessa de US$ 300 milhões por ano para Cuba. Depois de falar da infiltração de 60 mil agentes cubanos na Venezuela e de abordar a política de acolhimento do Brasil aos refugiados, fustigou o presidente francês Emanuel Macron, sem citar seu nome, e criticou interesses externos "disfarçados de boas intenções".
Disse que é uma "falácia" dizer que a Amazônia é um patrimônio da Humanidade e que representa o pulmão do mundo e resumiu as queimadas exibidas no mundo inteiro como "mentiras da imprensa internacional". Criticou as ONGs que atuam na Amazônia e o cacique Raoni, o indígena brasileiro mais conhecido no Exterior, que faz duras críticas a seu governo.
— Acabou o monopólio do senhor Raoni — decretou, completando que o Brasil precisa de uma nova política indigenista.
Ainda no capítulo Amazônia, disse que França e Alemanha usam mais de 50% de seu território para agricultura, enquanto o Brasil produz alimentos em apenas 8% do seu território:
— Os que nos atacam não estão preocupados com índios, mas com as riquezas minerais e com a nossa biodiversidade por isso nos acusam. O Brasil não vai aumentar para 20% sua área já demarcada como terra indígena, como alguns chefes de Estado gostariam que acontecesse.
Depois de atribuir as queimadas ao tempo seco, aos ventos e à cultura dos índios e das populações locais, Bolsonaro reafirmou a soberania do Brasil em relação à Amazônia, se comprometeu com a preservação da floresta e retomou os temas domésticos tão caros a seus fieis e criticou o politicamente correto:
— A ideologia invadiu nossos lares para investir contra a família. Tentam destruir a inocência das nossas crianças. A ideologia invadiu a própria alma humana para dela expulsar Deus. A ideologia se instalou no terreno da cultura, da educação e da mídia, dominando universidades, meios de comunicação e escolas.
Ainda na trilha da ideologia, gabou-se:
— Com os presidentes das Argentina e do Paraguai, afastamos a ideologia do Mercosul.
Em dois momentos, o presidente falou em respeito aos direitos humanos, sem se aprofundar:
— O Brasil reafirma seu compromisso intransigente com os mais altos padrões de direitos humanos.
Também acusou seus antecessores de socialistas (o que inclui até o ex-presidente Michel Temer) e elogiou o ministro Sergio Moro, que julgou e condenou o ex-presidente Lula.