Coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Brasília por dois anos, o procurador regional da República Douglas Fischer conviveu de perto com os ministros dos tribunais superiores e ajudou na preparação de alguns dos principais processos envolvendo a corrupção na Petrobras. Na última terça-feira, ele acompanhou a decisão da 2ª turma do STF que anulou a condenação do ex-presidente da estatal Aldemir Bendine. Para Fischer, os ministros colocaram em risco a Lava-Jato ao devolver à primeira instância um processo que ele julga ser sido conduzido em total obediência às regras previstas no Código Penal.
A decisão do STF consagrou um princípio básico do Direito, que é a defesa falar por último. O que aconteceu que desagradou ao MPF?
Concordo, a defesa fala por último. Não tenho crítica a isso. Ocorre que os três ministros que votaram para anular esse processo, em outros julgamentos decidiram diferente. A regra fundamental para nulidade de uma sentença é provar o prejuízo causado ao réu. Mais, também é preciso mostrar como o ato, sendo refeito, modificaria a situação.
Isso não aconteceu no caso do Bendine?
Eles não entraram no mérito. Foi dito que o Bendine, como não era colaborador, tinha o direito de falar depois dos colaboradores. Houve um equívoco, porque não é o colaborador que faz a acusação. É o Ministério Público, e ele falou antes de todo mundo. Inclusive juntou as provas da delação. E dessa delação, o Bendine e os demais réus tiveram vista e se manifestaram depois. O que o colaborador disser nas alegações finais é irrelevante, porque as provas juntadas aos autos estão nas alegações do MP.
O sr. diz que os ministros não entraram no mérito, mas ao STF não cabe discutir mérito, e sim verificar se a Constituição foi seguida. Discutir o mérito não seria tarefa para a segunda instância?
Eles poderiam dizer o seguinte: houve uma inversão (na ordem da apresentação das alegações finais) e o prejuízo concreto foi esse. Eles não discutem isso, apenas dizem que como houve inversão é nulo o processo. É uma presunção. Em argumentos usados pelos mesmos ministros, em outros casos, ele dizem que é preciso mostrar o prejuízo e como seria possível modificar o resultado.
Em praticamente todos os casos talvez seja possível encontrar votos contraditórios dos ministros. A discussão sobre prisão após condenação em segunda instância é um exemplo. Essas repentinas mudanças de entendimento na mais alta Corte não geram insegurança jurídica?
Total. Mas agora é mais mais grave, pois a necessidade de se mostrar o prejuízo para anular uma sentença é uma constante há muito tempo no STF. Há uma ação penal contra o Paulo Maluf, com decisão do dia 2 de agosto agora, em que a defesa se atrapalha e junta as alegações finais antes do MP. Ou seja, a defesa fala antes da acusação. E o STF diz que "de acordo com nossos reiterados precedentes", a inversão da apresentação das alegações finais entre Ministério Público e réu por si só não gera prejuízo. Como justificar então uma nulidade nos termos em que eles fizeram? Os ministros se equivocaram.
Não há uma falha da Lei das Organizações Criminosas, que não distingue réu delator de réu delatado?
Não é falha da lei. E o Código de Processo Penal é claro: primeiro fala o Ministério Público e depois falam os réus. O colaborador é réu. Ele não junta provas.
O sr. atribui esse novo entendimento a um ambiente de restrições à Lava-Jato, criado após as revelações das conversas entre os membros da força-tarefa?
Não tenho como avaliar. Mas, se existe, não deveria influenciar.
O STF irá analisar em plenário os pedidos semelhantes ao de Bendine. Pode haver ali uma eventual correção de rumo?
O Supremo tem de corrigir o rumo. Eles estão equivocados. Agora, se houver uma efetiva inversão processual, com comprovado prejuízo ao réu, tudo bem. Vamos refazer o processo. Outra, também entendo que o Supremo determine que o réu colaborador fale primeiro, e depois os demais réus. Só que esse tipo de construção deve ser feita para aplicação futura. Foi assim com o interrogatório do réu. A lei dizia que era o primeiro ato e o STF decidiu que tem de ser o último passo do processo.
O sr. teme prejuízos irreparáveis à Lava-Jato se o entendimento não for reformado?
Anular um processo que não é nulo já é um prejuízo irreparável. O devido processo legal foi respeitado. Todos os processos até aqui foram feitos de acordo com a lei. Aí depois de alguns anos o Supremo anula, com efeito retroativo. Então é possível que a Lava-Jato esteja ameaçada, sim. A gente só poderia fazer diferente se tivesse bola de cristal.