O ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) da Polícia Civil capixaba Cláudio Antônio Guerra, de 79 anos, foi denunciado nesta quinta-feira (1º) por ocultação e destruição de 12 cadáveres de presos políticos, entre 1973 e 1975. A denúncia é do Ministério Público Federal (MPF). Em diversos depoimentos à Comissão da Verdade (que investiga crimes ocorridos na ditadura militar) e em seu livro de memórias, o ex-policial admitiu ter incinerado pelo menos 12 corpos em fornos da Usina Cambahyba, em Campos (norte do RJ).
Guerra está no centro de uma polêmica recente. Um dos corpos que ele admite ter eliminado é o de Fernando Santa Cruz, militante da organização clandestina de esquerda Ação Popular e pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz.
O depoimento de Guerra contraria o que diz o presidente da República, Jair Bolsonaro. Admirador confesso do regime militar, Bolsonaro afirmou, no início desta semana, que Santa Cruz foi executado por seus próprios companheiros de guerrilha. O presidente da OAB interpelou Bolsonaro no STF para que ele prove o que disse.
Em seu livro Uma Guerra Suja, o delegado se diz um matador arrependido e que se reconciliou com Deus ao se tornar pastor evangélico. O policial civil afirma que, entre 1973 e 1975, recolheu os corpos de 12 pessoas no imóvel conhecido como "Casa da Morte", em Petrópolis (RJ), e no Destacamento de Operação de Informação e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), no bairro da Tijuca, na capital fluminense. Os cadáveres foram levados para o município de Campos dos Goytacazes (RJ), onde foram incinerados, por sua determinação livre e consciente, nos fornos da Usina Cambahyba.
No livro, Guerra detalha seu envolvimento em mais de cem assassinatos, tanto de presos políticos como de criminosos comuns. Ele liderou o Esquadrão da Morte na versão capixaba, denominado Escuderie Le Coq. O procurador da República Guilherme Garcia Virgílio, autor da denúncia, afirma que Guerra "foi o autor intelectual e participante direto na ocultação e destruição de cadáveres de pelo menos 12 pessoas, nos anos de 1974 e 1975". Ele diz que os crimes foram cometidos por motivo torpe.
Em tese, os homicídios estariam prescritos e, inclusive, anistiados. A Lei da Anistia promulgada pelo governo militar em 1979 vale tanto para guerrilheiros como para agentes do Estado que cometeram crimes. O MPF, entretanto, argumenta que "destruição de cadáveres não pode ser admitida como crime de natureza política".
As doze pessoas citadas por Guerra constam na lista de 136 indivíduos dados por desaparecidos.
GaúchaZH entrou em contato com o ex-delegado por telefone. Ele mora em Vitória (ES), cumpre pena domiciliar por homicídios, usa tornozeleira e está bastante doente. Ele não quis gravar entrevista, mas reafirmou o que disse no livro.