Setores contrários à venda de CEEE, Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e Sulgás mobilizam-se contra a proposta de emenda à Constituição (PEC) que pretende acabar com a exigência de plebiscito e questionam a decisão do governo de se desfazer das estatais.
Coordenador do Fórum de Combate às Privatizações, o ex-deputado estadual Pedro Ruas (PSOL) argumenta que não há garantia de que os serviços vão melhorar com a desestatização:
– O setor privado visa ao lucro, não tem compromisso com o interesse público. Isso é fato. Quem quer a privatização tem todo o direito de defender isso, mas as empresas públicas pertencem à população, e a população tem o direito de ser consultada. A norma constitucional é democrática.
Em 2018, o então governador José Ivo Sartori (MDB) chegou a pedir à Assembleia que convocasse a consulta popular, mas a medida travou por falta de apoio. Antes disso, ele apostou na mesma estratégia do sucessor, Eduardo Leite (PSDB). A diferença é que, na gestão passada, a proposta para eliminar o plebiscito sequer chegou ao plenário da Assembleia. Agora, Leite tem maioria entre os deputados e diz que os gaúchos aprovaram as privatizações ao elegê-lo, já que defendeu as vendas abertamente na eleição passada.
– O governo está dando como certa a aprovação da proposta, o que é lamentável. Em qualquer lugar do mundo, um assunto tão importante como esse seria decidido pelo povo. Não tiramos o crédito dos deputados, mas é muito grave achar que o povo não tem condições de decidir – afirma Ana Maria Spadari, presidente do Sindicato dos Eletricitários (Senergisul).
Para a líder sindical, a crise financeira da CEEE teria solução “se os governos do MDB e do PSDB quisessem”. A privatização da companhia, na avaliação dela, trará mais prejuízos do que benefícios, em especial se o controle da CEEE ficar com a CPFL. A sindicalista aponta risco de monopólio, já que a empresa, dona da RGE, já distribui energia para dois terços da população:
– Imagina se ficar tudo na mão dessa estatal chinesa (controladora da CPFL)? O setor energético é estratégico para o desenvolvimento do Estado. Isso precisa ser discutido de forma aberta, tanto quanto a qualidade do serviço prestado. Há muitas críticas.
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Minérios e Derivados de Petróleo (Sitramico-RS), Ângelo Martins reforça o coro. Ele reconhece que o governo tem maioria na Assembleia, mas diz que “a luta perdida é a que se abandona”.
– Não vamos desistir de lutar. A Sulgás é enxuta e rentável. Por que esse filé tem de ser colocado à venda? Quanto à CRM, é uma riqueza do Estado e tem de ser transformada em modelo de empresa mineradora, inclusive do ponto de vista ambiental – afirma Martins.
A Associação dos Empregados da Sulgás (Assulgás) também repudia a possibilidade de privatização da empresa, com uma série de argumentos. Segundo nota da entidade, "há muitos interessados na Sulgás, pois se trata de uma empresa lucrativa (R$ 73 milhões no último ano, R$ 1,4 bilhão nos últimos 15 anos) e enxuta (apenas 128 empregados, todos celetistas). Se for vendida, quem a comprar terá retorno do seu investimento em cinco anos".
A Assulgás contesta a informação de que a distribuição de gás natural canalizado tem demanda reprimida no Estado. Conforme o órgão, "o RS é o terceiro Estado que mais expande redes de distribuição e que mais liga novos clientes", e a Sulgás "cresce de maneira saudável", sendo que "todos os pedidos de fornecimento são atendidos, desde que sejam economicamente viáveis".
A entidade reconhece que "nem todas as regiões do RS possuem redes de distribuição", mas sustenta que "o principal motivo é o Gasbol, gasoduto de atribuição da União, que entra no RS pela região da Serra e vem até Canoas, numa extensão de apenas 185 quilômetros". Ainda de acordo com o órgão dos funcionários, "previa-se que o Gasbol fosse interligar Canoas a Uruguaiana, o que o governo federal não fez e, com isso, reduziu a área de abrangência a partir da qual a distribuidora local se abastece".
Sobre o futuro da estatal, a Assulgás teme que, se a companhia for privatizada, os consumidores venham a ser prejudicados com o aumento do preço do gás. Hoje, conforme a entidade, a Sulgás "vende o metro cúbico de gás natural para a indústria a R$ 1,62, em média, enquanto que no Rio de Janeiro e em São Paulo, as empresas, já privatizadas, cobram R$ 2,91 e R$ 2,35, respectivamente".
Na tentativa de barrar a PEC, os críticos organizaram um abaixo-assinado e conseguiram reunir 80 mil assinaturas favoráveis à convocação de plebiscito antes de privatizar essas estatais. Funcionários da CEEE, da Sulgás e da CRM entregaram o material no último dia 16, ao presidente da Assembleia Legislativa, Luis Augusto Lara (PTB).
O secretário estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura, Artur Lemos Júnior, diz respeitar as divergências, mas lembra que, nas eleições, os dois candidatos levados ao segundo turno defenderam abertamente as privatizações, o que, segundo ele, dá legitimidade ao governo. Lemos também afirma que o Estado enfrenta dificuldades financeiras e não tem condições de manter as estatais com o nível de investimentos exigido.